O spray, o Tes, o mc e a vaca

O Tes é o tipo de cara que sabe o que quer, faz o que gosta e fala o que pensa. Isso deu pra notar no tempo da nossa entrevista. Na tela que ele exibia com orgulho, víamos um peixe voando, gente com cara de terra, de mar, de mundo. “Se você chegar de perto vai ver que é só um monte de manchas”, diz o artista. E ao fundo, entrelaçados nos traços do grafiteiro, quem olhava atentamente via as iniciais de seu apelido que é uma referência ao que mais chama atenção em seu rosto, a Testa.

Ele era um dos vários personagens que contribuíram na realização da BIG, Bienal Internacional do Grafite, primeiro evento do gênero em Belo Horizonte. Logo na entrada da Bienal via-se pichação, desenhos psicodélicos, pornografia, computador, cama, pedaço de carro, via de um tudo. E tudo muito confuso. Não dava pra saber se era grafite ou pichação. Se era arte ou crime. Andando um pouco mais tinha pintura em fitas, em carros, e em instantes só viamos pintura. Foi só entrar um pouco mais para nos depararmos com um labirinto artístico. Não tinha melhor, nem pior. Era só spray. E quando perguntávamos aos entrevistados o que significava pra eles o grafite, era como escutar em coro uníssono: Grafite é arte!

E o mais interessante é perceber que no grafite, assim como na escultura, música ou artesanato, cada obra tem uma história. Como exemplo, observamos atentas ao desenho da moça dos cabelos roxos enrolados, como cordas. Era a Lídia. Uma declaração de amor de seu namorado, também grafiteiro. E quando sua amiga, Luísa, perguntou-lhe se guardaria a obra, tomamos conhecimento que grafite não é só arte. É dinheiro também.

Lídia nos explicou que para ter o quadro exposto na Bienal era necessária uma seleção dentre outras obras. E quem conseguia, assinava contrato com a coordenação da BIG, cedendo sua obra para exposição. “Eles podem vender a obra, porque assinamos contrato, o quadro agora é deles”, nos contou a grafiteira. Mas quando perguntamos a Lídia se era possível viver de grafite, sua resposta foi clara: “Grafite é tudo diversão, mais não dá pra sobreviver”. Da mesma maneira pensa Tes. Ele é design gráfico, sonha em ser professor de artes e tem o grafite somente como um hobby. E disse que considerava grafite o que está nas ruas, nos carros, nas pontes e viadutos. “O valor tá dentro de mim quando pinto na rua. Mas se sou pago, perde o valor. Posso pintar o grafite e virar uma tela. Aí deixa de ser grafite”.

Além destes, encontramos outros personagens que estavam lá não por que grafitavam, mas por pertencerem a um dos quatro elementos. Explica-se. Segundo o Mc HD, o Hip Hop é composto por quatro elementos: o grafite, o Rap, o DJ e o break. E além das telas expostas na Bienal, houve também duelo de MC’s, break e muito som. O palco era uma explosão de luzes coloridas que iluminavam os rostos dos vários curiosos que marcaram presença. E a cada apresentação de break, onde dançarinos giravam e retorciam-se no chão como se lhes faltassem os ossos, uma rodinha era criada em torno deles. Roda esta que só ia crescendo, numa verdadeira disputa por uma frestinha para ver o espetáculo.

Já o duelo de MC’s, atração muito esperada na noite, nos foi detalhadamente explicada pelo MC HD: “cada MC contribui com dois reais, ai a gente faz o duelo de dupla contra dupla. Cada uma (das duplas) tem 45 segundos para atacar e 45 para defender. Não são aceitas agressões morais. Quem ganha avança uma etapa e no final a dupla vencedora disputa entre si. O vencedor leva o dinheiro arrecado pra casa.” Quando o duelo começou, formou-se a platéia em frente ao palco e por alguns instantes as obras foram esquecidas. Só se ouvia a galera vibrando

Para os que gostam do estilo, facilmente identificado pelas calças largas, bonés ditos aba-reta, correntes no pescoço e mochila nas costas, a Bienal foi um prato cheio de atrações. Exposição, música, dança. Muita coisa pra ver e ouvir. Bom você deve estar se perguntando: mas e a vaca onde entra nessa história? Percorrendo os olhos nos grafites, uma tela em especial nos chamou a atenção. Era a vaca pintada pela Lídia. Lá estava ela com a cabeça maior que o corpo, um estilo alternativo e causando a incrível sensação de que a qualquer hora ela ia sair da tela e começar a rir sem parar. Com todas essas características nós olhávamos para ela e só pensávamos na vaca do Toddy. Depois de já ter escolhido um desenho para grafitar, Lídia viu a foto da vaca e foi como amor à primeira vista. Achou que se divertiria mais grafitando uma vaca e não deu outra. A garota se sentiu feliz com o trabalho.

Com cara de indiferente, era como se a vaca nos dissesse com os pesarosos olhos: “Sou assim e pronto. Goste você ou não!”. Analisando a imagem do animal, chegamos à conclusão que é mais ou menos isso que este estilo de arte propõe. Lutando para obter espaço e reconhecimento, o grafite trás consigo das piores ás melhores críticas, e mesmo causando certo preconceito diante às demais categorias, ele também é uma forma de arte.


Natália Oliveira e Jéssica Vírginia

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