Mendigo de coração
-Você arreda para lá e me deixa sentar aqui no cantinho do seu coração?
-Hummm. Não sei. Abre sua mala.
-Trago um pouco de carinho, muito apego, uma pitada de amor, um dose de lourcura, um pouco de sal, um pouco de açucar, um mucadinho de dor e bastante amizade.
- Quais as consequências de eu te deixar entrar?
- Se um dia resolver me tirar dai, vai matar um pouquinho do seu coração junto, pois eu já farei parte da circulação do seu sangue.
- Se eu te deixar entrar vou ter que entrar no seu também?
- Não necessariamente, mas talvez você já esteja aqui.
- Mas eu não lembro de ter entrado. O que eu levei nas malas?
- Ainda não sei.
- Acho não posso te deixar entrar.
- Tudo bem. Não é fácil mesmo.
- Isso se chama amizade?
- Sim.
- Isso é tão infantil.
- Por isso é verdadeiro.
- Mas crianças vivem no mundo da fantasia.
- Talvez por isso o mundo delas seja tão real.
- Para deixar você entrar eu preciso saber quem você é.
- Sou um mendigo
- Dá pra ver pelas suas roupas e pela sujeira.
- Mas você não me pediu dinheiro e nem comida.
- Sou um mendigo de coração, não sou profissional.
- Entendi
- Bom, boa sorte. Até mais.
- Obrigada. Até.
A pequena grande menina
mas também colocou uma pitada de loucura
Fez teu rosto de menina
mas lhe obrigou a ser madura
A fez loira para que se diferencia-se na multidão
mas a fez baixinha para que não a notassem tanto
Lhe deu vontades para abraçar o mundo
porém encurtou os seus braços para que ela não conseguisse
Colocou um sorriso em teus lábios
e jogou tristeza nos seus olhos
para que ela não fosse feliz demais e nem triste demais
Deu-lhe um nariz de palhaço para que conseguisse divertir os olhares tristes
mas esqueceu de lhe entregar um espelho
Ensinou-lhe conceitos
fazendo com que ela nunca entendesse as regras
Encheu-lhe de sonhos
contudo esqueceu de lhe falar sobre a realidade
Esqueceu de colocar ar em seu pulmão
mas engrandeceu teu coração
Deu-lhe ouvidos pequenos para que não ouvisse os erros do mundo
porém deu-lhe uma alma grande para acolher os errantes
Ensinou-lhe a rezar
para que conversasse com ele
Não lhe deu uma beleza exuberante
e nem uma feiura assustadora
Lhe deu inteligência
mas a fez lerda
para que não se tornasse chata
Entregou-lhe a sensibilidade
mas escondeu nela uma dose de frieza
A criou forte como um touro
e frágil como uma flor
Colocou pedras em seu caminho
mas lhe ensinou a continuar
A fez timida
mas não a ponto de não poder um dia escrever sobre si
Dois Corpos
Ainda que houvessem dois corpos ali
Corpos com movimentos perdidos
Intactos entre si
O silêncio incomodava
Não era falta do que dizer
Era excesso de palavras
Amedontrava-lhes pecar
Pecavam pelo medo
O silêncio tornava-se obsoleto
Ouvidos aflitos
Mãos euforicas
Pernas inquietas
Continuam a andar
Sentem, mentem
Lado a lado
Separados por um muro
Não de concreto
Mas concreto
O silêncio continua a incomodar
Pensa ela em um jeito de quebrar
Enquanto ele sorri
Pensa ela no que ele está a pensar
Pensa ela em embriguez
Ao menos uma vez
Embriagar-se de palavras por um minuto
Não ter nada a dizer
Dizer muito
Passam-se dois minutos
Parace-lhes ter andando muito
Parece- lhes não ter andado nada
Passam suas almas
Intactas
Terminam com uma palavra
Adeus!
Outrora
Mãe sempre diz para deixarmos as coisas onde encontramos
Mas eu tinha me esquecido
Agora vim devolver o obtido
Ou o perdido
Deixo tudo aqui e sigo por ai
Vou sem malas
Sem nada
Devolvo o violão sem cordas
Entrego-te as conversar demoradas
Devolvo meu sorriso sincero
Guardo para mais tarde os abraços singelos
Devolvo os cuidados
Alias, estes lhe deixo de presente
Porque nenhum cuidado é suficiente
Deixo aqui os cafés que não tomamos juntos
Levo todos os momentos injustos
Deixo as tardes que não sentamos no banco da praça
Escondo meu rosto sem graça
Vou a locadora devolver os filmes que não assistimos
Deixo no circo o tempo que não nos divertimos
Coloco uma luva em todas as vezes que nossos dedos não se entrelaçaram
Deixo em cima do cômodo todo o passado
Apago a melodia que eu nunca compus
Guardo os beijos para quando não houver luz
Jogo fora as preocupações em não perder
Me perco
Rasgo a carta que um dia eu escrevi
Fecho as portas que abri
Devolvo a proteção
Escondo meu coração
Vou embora
Talvez eu volte
Outrora
Talvez não
Surto
'''Surto''' é uma crise, um excesso de fúria. Momentos de inlucidez.
Mailarina
- Mãe me ensina a ser bailarina?
- Filha, isso se aprende na infância.
- Mas mãe eu quero ser bailarina.
- Por que minha filha?
- Porque eu estou cansada de ter que me fantasiar de palhaça para arrancar um sorriso dos lábios alheios. Eu não quero mais ser assistente do homem das facas, estou com medo do globo da morte e hoje a noite terem que revesar lugar com aquele gorila assustador.
- Filha, você quer ser bailarina por que elas usam roupas bonitas?
- Não mãe, quero ser bailarina porque elas deixam seus corpos serem levados pelo embalo da música. Porque elas sabem dar cada passo com uma sútil leveza, se equilibram nas pontas dos pés, se equilibram. Bailarinas dançam mesmo quando não há música, são doces e exprimem calma. Bailarinas não choram.
- Mas filha você precisa se vestir de palhaça, você precisa encantar a plateia com todas as suas mágicas e máscaras.
- Mãe, me ensina a ser bailarina?
- Mãe, me ensina a dançar?
A mãe assustada com aquele pedido, pegou a mão da menina e a levou até o seu camarim, mostrou-lhe uma velha roupa de bailarina, tirou o sapato e lhe mostrou os calos nos pés. Disse-lhe que bailarinas quando dançam não choram, mas também não sorriem. A menina abismada com aquela situação pensou logo em vestir sua roupa de palhaça para alegra a mãe, mas a mãe, mais rápida, colocou a mão em seu ombro e disse:
- Filha me ensina a dançar? Eu desaprendi a equilibrar.
A menina então calçou a velha sapatilha da mãe, vestiu o colan, a saia, levou a mãe para o picadeiro e sem música alguma as duas tentaram dançar. A mãe ajudou a menina a ficar nas pontas dos pés. A menina agradeceu com um sorriso no rosto.
- Mãe, me ensina a dançar?
- Filha, me ensina a ser bailarina?
Dedico este texto ao meu amigo Marcos Medeiros que tanto me encanta com seus textos e também me inspira, como esse que é baseado em seu texto, Pailhaço.
Manhã cinza
alegando não ter motivos para vir
As lágrimas brotaram
Os olhos sufocaram
Soluços, soluços e falta de ar
sinto-me asmatica
Faltou amor, faltou carinho, faltou calor
Faltou, faltou, faltou faltar.
Sobrou esperança
Mas a chuva não veio
Deixei de velejar
Falta poesia
Doçura fria
Falta rima
Uma dose de autismo
Doce solidão
Tanta sensibilidade
Pouca compreensão
Poeta no lixo
Salta do precipício
Um singelo sorriso
no canto dos lábios
Proveniente de um doce abraço
Sincero, singelo
Não precisou de um obrigado
Obrigado
No abismo,
Lá se foi o meu sorriso
Vem comigo dor no peito
Bem no lado esquerdo
Tudo passa
Mas eu fico
lá se foi
lá se foi
lá se foi