sala de espelhos

O suor da minha alma embaça as várias faces de mim.
Espelhos refletem o vazio da minha insônia solitária.
Era o entrelaço de nossas ternuras que eu procurava naquela nudez.
Os livros não escrevem a chuva ácida da mulher que chora naquela poltrona escura.
O quadro nem chega perto de pintar o velho cheio de dentes na boca.
A luz corta a minha carne e corroe os meus ossos.
Os arbustos inspiram minhas viceras mortas.
Eu encontro o passado cheio de roupas.
Meus ombros negam-se a usar vestimentas.
Os meus olhos traduzem o assasinato de minha dor.
Meus braços setenciam o fim do meu calor.
Arranco o espelho e me torno parte dele.
Qualquer aproximação reflete o que me trouxeres.
Não me espere para o jantar.
Tem 14 passos querendo sair de dentro de mim.
Enquanto os pássaros procuram a janela dos meus pulmões,
minhas traqueias gritam o recomeço.

meu primeiro amor.

Descobri o amor aos 5 anos de idade. Foi quando eu vi aquele menino loirinho, de olhos grandes e que me sorria timidamente. Ainda lembro da sensação que eu tinha ao vê-lo, uma vergonha completamente inocente, eu num sabia de que, mas tinha muita vergonha dele. Acho que nunca tinhamos nos falado, mas trocavamos olhares e sorrisos. Com o passar do tempo, Samuel, meu melhor amigo e também o melhor amigo dele, me contou que o menino loirinho me amava. Eu disse que também o amava e que agora eramos namorados. Nunca nos tocamos, mas eramos muito felizes. Naquele dia, achei que me casaria com o menino loirinho. Afinal de contas nosso amor era pra sempre. Todos na sala sabiam do nosso amor. Passei o 2º e 3º período namorando ele. Quando fomos para a primeira série o destino nos separou. Ele ia estudar pela manhã e eu a tarde. Quando descobri que não seriamos da mesma sala, chorei muito. Aos 7 anos tive minha primeira desilusão amorosa. Mas o mais engraçado é que nosso "para sempre" durou mais um pouco. O menino loirinho começou a me escrever cartas e me pediu que eu não o esquecesse mesmo que estivessemos longe. Começamos a nos comunicar por cartas, era doloroso não vê-lo mais. Mas ainda eramos namorados e ainda seria para sempre. Tia Sônia, nossa professora, intermediava o contato. Lembro-me dela me entregando as cartinhas com um olhar meio triste, acho que ela sentia pena daquilo tudo. Eu e ele eramos precoces e escreviamos muito bem naquela época. Tia Sônia se envolveu conosco, cheguei a frequentar a casa dela. Aos 7 anos eu sentia o peso de um amor a distância e sofria, sofria. O tempo foi passando, as cartas foram ficando escassas, tive outros amores e ele, com certeza, também teve. Minha promessa de criança eu nunca quebrei, pois não o esqueci. Ali, eu aprendi que o para sempre, não é para sempre e que o amor é bonito, poético, doce, mas as vezes dói. Acho que ainda sou a menina de 5 anos que ama e escreve cartinhas, que acha que o para sempre existe e sonha em ser feliz, só com o sorriso timido de outrém. Ainda me lembro das cartinhas e do coração sublinhado forte de vermelho e colorido fraquinho por dentro, no fim aquela letrinha desenhada, sacrificada "ass: Victor Hugo".

memorial

Eu espero que na velhice você se lembre de segurar a minha mão ao descer do ônibus.
Espero que você não enjooe de acordar ao meu lado.
Que se lembre de me dar um abraço ao chegar cansado do trabalho, mesmo tendo acordado comigo.
Por vezes esquecido, quero que me conte das noites em que me deixastes sozinha para se aquecer nos braços de outrém, porque por algum motivo você se sentiu sozinho e vazio.
Quero ver alegria e me sentir bem por estar com você como nos velhos tempos.
Quero sentir que os ponteiros dos relógios estão girando rapido demais uando eu estiver ao seu lado, como na primeira vez em que nos vimos.
Espero que você se lembre de me cobrir com o edredon nas noites frias, quando eu me descobrir de tanto me mexer.
Quando minha pele já não for mais a mesma, eu ainda vou esperar suas que suas mãos contem nossos anos juntos nas minhas rugas.
Quando eu estiver caducando na velha cadeira de balanço, lembre-se de me aceitar, afinal eu sempre fui meio caduca mesmo.
Na minha morte, não chore, lembre-se que o fim de alguma coisa é o recomeço de outra, que geralmente é muito melhor.
Agora vamos embora, porque o tempo não espera a gente e a vida é muito curta pra ficarmos esperando todos os semaforos fecharem, feito japonês.
Vamos continuar com os velhos drinks, ainda somos jovens e podemos morrer jovens.
Então viva cada dia como se fossemos envelhecer rápido demais.

Manual da madrugada

Escondida por trás de sua jaqueta de couro, observava as putas semi nuas se oferecendo para os homens sedentos por sexo. Nunca entendeu muito das relações sociais, entendia mais de solidão, e nisso ela sabia que se assemelhava as putas. Por terem tanta gente, parecia-lhes que não tinham ninguém. As vezes ela era uma puta com seu coração, vendia-o a qualquer preço, mas o sedentismo pelo sexo não é o mesmo do amor.
Um dos homens atropelou uma das putas e arrancou o carro. As outras correram para ajuda-la. No chão ela estava um pouco ensanguantada, o cigarro voou longe e ainda acesso queimava no asfalto. A puta se levantou meio cambaliando e começou a gritar que não aguentava mais aqueles canalhas e aquela merda de vida. As vezes quando eu me machuco eu também sinto vontade de levantar e gritar as mesmas coisas que a puta, mas eu me limito a admirar a coragem dela. Achei que a puta fosse embora para um hospital, mas um homem lhe deu um pouco de água para lavar o machucado e ela saiu no carro dele. Tudo é muito efêmero com as putas.
Uma delas contou que o homem que atropoleu a amiga é apaixonado por ela e quer tira-la "dessa vida". O amor é mesmo uma coisa estranha, ninguém quer se apaixonar por uma puta e nem as putas querem se apaixonar por seus clientes, mas não há escolhas. O amor é o sentimento mais sincero que existe, porque somos impulsivos e bobos. Atropelamos as pessoas para o bem delas e queremos cuidar tanto que só pensamos em tira-las de suas vidas e trazê-las para as nossas. Principalmente quando elas vêem de um submundo, não um submundo externo, mas um que existe dentro delas. A madrugada esconde a sujeira da claridade, ela tem partes de um sub mundo.
Na verdade tudo na madrugada é um submundo, e como não existe um manual você só precisa saber que estar sozinho é a melhor maneira de estar seguro. Volta e meia passava um bebado, cambaliando a madrugada. A madrugada é por si só meio tonta e também meio solitária. Ela estava entediada de observar as putas. Queria uma cerveja e também queria queimar todo o maço de solidão que ainda tinha.
Tirou uma folha em branco e a folha exigiu uma explicação. Não conseguiu escrever absolutamente nada. Queria saber desenhar, ao menos faria uma caricatura e resolvia o problema. Tirou o livro de poesias, leu, tentava se inspirar, mas nada conseguiu. As horas iam passando, o silêncio era constante. Deu seu último trago solitário e pegou o ônibus as pressas.
Sentou-se num dos bancos e suspirou. A folha branca sentou ao seu lado cobrando uma explicação. Ela nada pode dizer, então a folha logo lhe avisou que a madrugadam estava dentro dela, era interna. A folha branca era a vida, esperando ser preenchida

Crossdreams

a noite é fria, a madrugada pior
volta e meia bate um ventinho cá dentro
mas há sempre como esquentar
mesmo que o sol não venha
e há dias em que o céu fica tão bonito
coisa das cores lembrarem Almodovar
é um azul meio roxo, um rosa vermelho
e as nuvens permanecem sem rumo
dançando
vão se formando, passando se desfazendo
quase como a vida, quase como a gente

há sempre um banco branco dentro da gente
daqueles antigos que causam uma certa nostalgia
há sempre um velhinho com boas histórias
e uns meninos jogando bola

a luz do sol ilumina a confusão diária
quando anoitece a brisa sopra dentro do meu coração
e me faz deitar no silêcio dos bancos brancos
aquele cheiro de flores
adormeço inocentemente
noutro dia o sol me acorda
vou embora
mas deixo os meus sonhos no banco
noutra noite, alguém há de sonha-los
ah, como eu gosto da noite.

a menina que não tinha sombra

quando criança nunca havia percebido que não tinha sombra. passou a adolescencia inteira sem perceber. até que um dia, na juventude, se deu conta de tal estranheza. ficava sempre intrigada com aquela situação, como podia alguém não ter sombra? sua intrigação foi tanta que lhe fundiu a mente. começou a desconfiar de sua existência, começou a achar que não existia por nunca ter visto sua sombra. começou a parar as pessoas na rua e perguntar se ela era real. passava noites em claro, apagando e ascedendo a luz tentando encontrar sua sombra. até o dia em que não mais queria sair do quarto afixionou-se por encontrar sua sombra. quando as pessoas se aproximavam a única coisa que ela queria saber era se alguém estava vendo a sua sombra ou se ela era mesmo real. só lhe importava encontrar sua sombra. ela perdeu os laços sociais, a vontade de se alimentar, de tomar banho e tudo que lhe era direito. mandaram interna-la num manicomio, lá ela continuou a procurar sua sombra e ficou conhecida como a menina sem sombra. ela acabou aceitando sua condição. afinal lá, todos pareciam não ter sombras mesmo.
numa manhã um médico diferente chegou no manicômio e levou todos para tomarem sol no parque, no susto, um dos loucos gritou: " - ei, menina sem sombra eu tô vendo sua sombra." a menina assustada virou-se e pela primeira vez viu sua sombra. no dia seguinte ela se matou e deixou um bilhete escrito: "- como é que alguém pode ter sombra? como?" O louco que gritou que a menina tinha sombra, era zé do preto, ele sempre via uma mancha preta em todos os lugares. pobre menina da sombra, morreu sem saber que num tinha mesmo a tal sombra.

Ah, Deus!


a lágrima escorreu lentamente
pairou em meus lábios
eu sentia agora o gosto amargo da mentira
as lágrimas embassavam os olhos
e fazia o coração não acreditar no que via
sentia-me nua
o corpo soluçou de frio
haviam me comido por dentro
fixei os olhos na faca que entrava em meu peito
talvez o sangue me esquentasse
alguns abraços amigos me aqueceram o coração
mas onde foi que eu deixei o meu coração?
acho que o perdi
tal como o pote de açucar
que agora me parece ter se tornado sal
só por essa noite
só por esses dias
eu não serei uma puta com meu coração
vou deixa-lo solitário
deixa-lo se aquecer com os carinhos amigos
denovo estou na chuva e sem sombrinha
acho que já perdi as contas de quantas vezes isso aconteceu
só não vou me deixar ser levada pela correnteza da tristeza
porque o trem da vida passa as 11h30 e eu num quero perdê-lo
espero as mãos que vão se estender e me ajudar a subir nele
vou chorando, rindo, cantando e dormindo
num vagão distante de tudo todas as magoas e decepções
uma hora será hora de subir no trem e eu só terei uma palavra a dizer:

Adeus!

Ah, Deus!

deliciosamente simples


As coisas mais bonitas da vida nascem da simplicidade
Numa busca diária e lenta pela doçura tênue, quase esquecida
Nos mindinhos que se tocam quase com vergonha
se procurando no escuro da noite
Nos olhares deliciosamente perdidos um no outro
quase como uma poesia recitada em meio a Praça Sete
e o menino solitário que a escuta
são as palavras
que o coração se recusa a dizer, em palavras
Sentimentos permeados de ternura
Carregados de uma simplicidade quase infantil
Os braços abraçam em proteção
Antes de qualquer beijo a lembrança da amizade

Antes de qualquer relogio a certeza de que os ponteiros giram depressa demais
para os corações que pulsam um de encontro ao outro.
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