silêncio

ela o espera na casa completamente vazia. sentada na velha poltrona que agora não lhe parece tão confortável.

o silêncio reina absoluto.

ele chega, abre a porta devagar. entra. senta ao lado dela.

o silêncio reina absoluto.

só me restou o travesti

já nem sei que horas são, mas a "noite" parece estar acabando. só me resta o travesti dançando no mastro. lá estava eu naquele velho quadrado preto, com mesinhas, espelhos, sofás e a pequena salinha de fumantes. perco meu olhar, o travesti já não me interessa tanto. relembro os meus 18 anos, quando pisei naquele chão pela primeira vez, era também a primeira vez que eu pisava em um recinto assim. as luzes coloridas me relembram alguns momentos, todos bons, não me lembro de nada ruim naquele lugar. houve um dia único, em que meus pés tiveram companhia e o velho dois pra lá e dois pra cá me pareciam fazer todo sentido. a dança continuava desajeitada, mas as alegrias do passado, hoje já não são mais as mesmas. minha vida agora até parece um filme em preto e branco sem direito a rebobinar ou cortar as cenas. a trilha sonora em descompasso com as imagens. de repente,um esbarrão amigo, depois de tantas doses de vodca retorno ao presente. danço e iterajo com os amigos e com quem desconheço. estou feliz por ter a companhia dos velhos e novos amigos. preciso de um cigarro, lá vou eu pra velha salinha. hoje meio solitária, o fotografo me chama de linda e pergunta se pode tirar uma foto enquanto acendo a minha calmaria. aceito a proposta. é o meu segundo e ultimo cigarro. conversamos sobre o mundo gay. mais cedo eu ofereci mil reais se a jéssica encontrasse um hetero. eu num tinha mil reais, mas ela nunca encontraria. o começo de noite foi de sofá, mas as vodcas mudaram o rumo das coisas. lá estava eu de novo indo embora. o som alto no carro, as pessoas se beijando, eu cantando e daçando. a conversa com o carro do lado. e aquilo tudo até me parece uma cena de filme. acordo de meia calça, blusa de frio e um flu flu rosa dependendurado na cama. acordei quando o sol ainda nem tinha saido. fiquei a pensar como eu queria ter uma máquina daquelas que nos fazem esquecer as recordações. como no filme brilho eterno de uma mente sem lembranças. eu me enfiaria nela e reconstruiria algumas cenas da minha vida. cadê meu roteirista?! lá se vai mais um dia e ele tem um gosto amargo de fim. A vida até parece uma sucessão de fins sem que eu possa ao menos escolher um que seja feliz. sem que eu possa ao menos escrever um the end na tela.

19 de agosto



A vida é feita de escolhas e as vezes fazemos algumas que viram nosso mundo de cabeça pra baixo. A nossa amizade foi meio assim, parece que foi preciso passar por um Tsunami para mantê-la. Como esquecer aquela sexta, as vodcas, as danças, os sorrisos e a certeza de que ali iria crescer uma amizade. Iamos viver bons momentos, outros nem tanto, bons botecos e bons amigos. Eu ia descobrir por trás daquele carinha aparentemente "rude", um menino doce, um coração gigante e uma alma boa. Na certa uma das melhores pessoas que conheci e uma das amizades que mais me orgulho de ter feito. Não somos nem um pouco parecidos, mas a gente aprendeu a se respeitar, acho que por isso essa amizade se tornou tão importante. Sabe meu amigo, você foi um desses presentes que a gente tem medo de abrir e de repente se alegra ao desembrulhar. Serei eternamente grata a todas as vezes que me destes seu ombro amigo para acolher meu choro e nunca vou esquecer nada do que fizestes por mim. Hoje você faz mais um ano de vida e eu espero lembrar dessa data e comemorar contigo por muitos e muitos anos. Você é uma ótima pessoas e como o Rapha já disse, você é jóia rara. Saiba que pode contar sempre comigo e nos dias chuvosos você pode vir para debaixo da minha sombrinha, pois encontrarás sempre um afago amigo. É engraçado ver como o mundo dá voltas. Quem diria que um dia eu seria amiga daquele menino que sempre detestei. hahaha Mas a vida tá ai pra isso, para nos surpreender e as vezes ela é extremamente positiva. Há surpresas boas e você é uma delas. Meu amigo, tudo de bom, felicidades pra ti, hoje e sempre. Bom, esse é seu presente. hahaha

relento

adormeci ao relento

costurando essa poesia vadia
o vento baila pelo meu corpo
como a bailarina que flutua no palco
os barcos somem no horizonte
e os fiapos de dente de leão
sendo levados pelo vento

o sol vem nascendo, de longe
o calor envolve minha alma
amanheço
com o mesmo sorriso de outrora
aquela mesma esperança tola
de ser feliz todos os dias
o quão foi em vão ter chorado
o quão foi em vão ter medido

tomo o velho chá das cinco
aquele que eu nem precisei adoçar
a árvore joga tuas folhas sobre minha poesia
agradeço a sombra
volto a beira do cais
enquanto o sol troca de lugar com a lua

agora só escuto Tom Zé me chamando de menina
há dias que parecem as histórias que meu pai me contava na infância
agora estou sozinha
mas esse silêncio é paz
adormeço

céu turvo

deitada sob um céu turvo
esquecida nos abraços de outréns
vestigios de delicados pedaços de mim
sendo levados pelo vento das horas
já nem sei mais de mim
talvez me falte ardor
que eu só sei sentir, simplesmente
o sol me acorda pela janela
o sopro do dente de leão é meu acalanto
meus pés descalços caminham errôneos
que eu só sei sentir, simplesmente
abandonada no ventre da vida
as palavras presas nas cartas que eu nunca escrevi
quando mais perto chegas
mais sozinha me sinto
mordo o amargo fruto do passado
o vento esparramou meus desafetos
e lá fui eu, embora

auto conhecimento

era eu despindo minha própria pele
revirando-me pelo avesso
estraçalhada entre o chão e a terra
meu coração ainda pulsa
os pulmões morrem aspirando o que eu nunca quis
minutos antes eu queria um cigarro
era pra queimar o resto de minha pleura
aquela parte mais sensível do meu corpo
minhas viceras disputavam um tênue espaço com meu coração
no canto, meus olhos se assustam por não conhecer aquelas partes de mim
minha garganta ficou sem nada pra dizer
destrui-me por não saber o que a anatomia faria de mim
morri ali, na rua rua do presente, quase esquina com o futuro
ah! como foi doce o chá que tomei no bar do passado

anjo da guarda

anjo da guarda, onde tu estavas todos esses anos?
por que tu me deixastes tão só?
ah meu anjinho como crescestes
tu já nem me parece mais o mesmo
passei mals bocados sem ti
vivi como um cão de rua, abandonada
e agora que me acostumei com essa solidão
que faço meu anjinho? que faço?
trouxestes o almanaque que me explica?
abre na página que decifra as minhas entranhas
coloca um marcador de texto nas minhas fugas solitárias
que eu já nem sei de mim
cadê aquelas minhas fotos em preto e branco?
tu não trouxestes nada né?!
mas o que importa é sua vinda

agora vai meu anjinho da guarda
vai que eu me acostumei a ser forte sem ti
me olha de longe e quando veres um brilho do céu
venha secar minhas lagrimas

ah meu anjinho! ah!

vermelho

sou um entardecer de sol
me pondo me pondo
sou o céu vermelho
que o balanço das águas da lagoa refletem
como o meu coração
que dança dentro do meu corpo
as pessoas na beira da lagoa
refletem os olhos dos peixes que já morreram

a noite inexisto
como a casa na beira da lagoa
a casa sem cômodos
agora nada em mim é cômodo


volta e meia surge uma estrela no céu
e faz brilhar os olhos sofridos da menina na beira da lagoa
a menina que carrega dentro de si um feto
a menina que é um feto
sou agora o nascer do sol
nascendo nascendo
todos os dias

delirio vital

delira-te a vida
arde em paixões febris
inspira sentimentos
traga dor
sopra zelo
embebeda-se de prazer
sorve-se em medo

como queres calma
se teu chão é o céu?
como queres certezas
se vives de sonhos?
como queres estabilidade
se o mundo gira?

a realidade é meu sono
acordo refugiada
no fundo só tenho a ti
só tenho a ti, espelho
as silhuetas namoram
eu sou amante da vida
vou entre os arbustos
colho flores

procuro-te
felicidade aonde estás?
felicidade aonde estás?
felicidade aonde estás?
escuto o eco pelo mundo

Meu coração se espalhou pelo meu sangue e ocupou todo meu corpo, como um andarilho que carrega na mochila todas as culturas do mundo.
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