Não sou...ou talvez eu seja...

Não sou mulher de flores, tampouco me agrada um jantar romântico regado a vinho. Prefiro mesmo um bar copo sujo, uma cerveja gelada e uma batatinha engordurada. Não, eu não sou lésbica e também não estou querendo me afastar do amor. É que eu gosto de sentir a intensidade das coisas. Gosto mesmo é dos meninos de corpos suados depois de dançarem desengonçados pelos inferninhos de Beagá. Gosto daquele cabelo mal cortado ou mal penteado caindo no rosto. Gosto das tequilas que tomamos juntos, mas sinto falta das que não podemos virar.

Gosto de terminar dividindo um colchão apertado nas noites mal dormidas. Gosto dos teus pés invadindo meu espaço durante a madrugada. A respiração tão perto que quase dá pra sentir o cheiro do pulmão. Gosto de ouvir o batuque do seu coração misturado ao meu, no encostar dos peitos. Gosto do gosto amargo de cigarro na minha boca depois de um beijo. Gosto das madrugadas na praça porque eu não tenho ônibus. Gosto do abraço pra gente tentar não sentir frio.

Gosto de me programar para te ver, mas se você espera pontualidade, saiba que eu não vou chegar no horário, porque sou naturalmente atrasada. Se você espera que eu vou pegar sua mão no meio da rua quando estivermos caminhando, esqueça, eu sou tímida. Se você espera um beijo surpresa, espera um pouco mais, uma hora eu chego lá.

Não ligo se você quiser fazer novos amigos ou amigas, se puder até me apresente. Não ligo se tenho que pegar três ônibus e andar quatro quilometros pra te buscar ou te levar a algum lugar. Não ligo de ter que assistir o jogo do seu time, mesmo preferindo que você não gostasse de futebol. Não me importo se você não tem grana e vamos ter que dividir o bar com as putas, os drogados e um garçom já velho que demora um pouco e traz a cerveja errada.

Mas eu vou me importar se você me deixar sozinha a noite toda. Vou me importar se você não me levar ao ponto de ônibus a noite como cavalheirismo. Vou me importar com coisas imbecis como você esquecer de me perguntar se quero a última azeitona antes de come-la. Vou me importar se você não se importar.

E se dizem hoje em dia que o amor virou uma coisa liberal, vão me perdoar, mas eu sou mulher a moda antiga. Lavo, passo, cozinho, faça tudo por você, mas não me faça ver essa troca de salivas. Só sei lidar com liberalismo se ele estiver muito bem conversado. Não sou mulher de n~çao sentir. Não sei nem ao certo se sou mulher, as vezes acordo tão menina. Sou menina que sonha. Sonha que nalgum lugar do mundo, há alguém que um dia vá querer dividir as noites suadas e os colchões apertados.

Medo e delirio em Belo Horizonte

-Fuga

Fujo, atordoada e sem saber quais palavras do dicionário mencionei. Durante a fuga não paro de pensar nisso. Lembro da essência. Na minha cabeça soava: "Meu coração é um puteiro diferente, se você vier apenas para transar com as putas, vá embora. Eu tô cansada desse entre e sai. Mas se você quiser entrar e conversar um pouco com as putas fica a vontade. Só avisa sua intenção pro porteiro. Depois você pode ir embora, mas no tempo que estiver aqui, fique aqui." Com certeza o dicionário me fez dizer umas coisas que soaram bem mais idiotas. Eu sabia que aquelas palavras tinham me feito perder muito mais que batalhas, mas a guerra. A noite foi de insônia, pensando parada e arrumando as malas. A única coisa que eu poderia arrumar. Fomos pelo mesmo caminho, mas cada um seguiria uma guerra e eu sabia disso, só não sabia que não ia aproveitar a concentração até o fim.

Justificar
- O xixó

Minha bexiga clama por alívio às sei lá que horas da madrugada. Caminho entre o aglomerado de pessoas e a música alta. No banheiro realizo a primeira e última (única) conta matemática do dia. Quantas meninas na fila pra quantas cabines? No auge do meu desespero pelo xixi encontro Alice. Quando a vi senti que tinha voltado uns 5 anos na minha vida. Ela venho meio tonta "Naaaatiiiiiiiii" com uma enfâse imensa no i. Dois minutos de conversa e chega minha vez de ir para cabine. Ela entra comigo, mesmo eu não querendo. "Vamos cheirar?" E de repente aquele pó branco parece ser nossa única ligação. Depois de relutar por um tempo, decido delirar. Todos os detalhes de quem comete um crime estavam em cima do porta papel higiênico. Mas quando olho pra baixo, vejo Alice em seu pior momento, cheirando a beira do vaso aquele xixi junto com pó. Ela parecia nem notar. Deixo a cabine sem sequer dar tchau. Lá fora sinto-me completamente tonta. Atordoada com que tinha acabado de viver.

- Manhõr

Mas peraí, essa história não começa aqui. Pelo menos pra mim não começa aqui. Era de manhã quando descobri que depois de 21 natais de reuniões familiares tradicionais, eu não teria meu pai naquele 22º. Ele passaria a noite de natal no hospital. Há oito meses, ele não anda e não fala mais. Pelo menos não do modo convencional. Na entrada para o último mês dessa dolorosa "gestação" eu senti o peso de parir aquela dor. Alguém bateu na porta e me avisou. "Seu pai não está bem, não há previsão de alta e não tem nada que possamos fazer". As malas ainda nem estavam prontas pra viagem do dia seguinte. Antes eu iria vê-lo, depois da madrugada alcoolizada.

- Antecedentes criminais

São meia noite, naquela divisão do dia difícil e do novo dia que carregava uma esperança de ser melhor, chego aquele local de quadradinhos. Logo na entrada vejo meus amigos e me sinto abraçada, ainda que faltassem alguns passos para encontra-los. O sentimento era de alegria e desespero ao mesmo tempo. Muitas pertubações ocupavam a minha mente. Eu sabia que, tampouco, conseguiria viver aquela noite. Eu só não sabia porque achei que teria uma alta fidelidade. Antes da festa, ele queria comer. Faço companhia. Não sei porque. Acho que nasci com um espirito materno de cuidar.

- En quadrado

O português, o espanhol e até um pouco de inglês. Só eu não me sentia falando nenhuma daquelas línguas dentro do lugar de quadradinhos e ainda não sei ao certo o motivo, mas não sentia. Tudo parecia louco e errado. Se virassem o mundo de cabeça pra baixo, talvez eu me encontrasse. Ah talvez assim eu me encontre. Nenhuma das coisas que eu queria estavam ali e então a fuga para minha bexiga apertada era também um local onde eu poderia ficar um pouco só.

-Delírio

Solidão não encontrei e assim como Paulo Leminski eu só sei pensar andando. Parada e no auge do meu delírio, me agarro aos dois amigos como se eles fossem a última coisa do mundo. Eles dançam, eu mexo minha inquietação. O pó sobe, essa é a hora em que vou agir sem ter andando, sem ter pensado, vomito palavras. Meus olhos não fecham, mas quero ir embora para evitar que meu coração veja coisas que os olhos não queriam sentir. Antes disso, falei e fugi.



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