Medo e delirio em Belo Horizonte

-Fuga

Fujo, atordoada e sem saber quais palavras do dicionário mencionei. Durante a fuga não paro de pensar nisso. Lembro da essência. Na minha cabeça soava: "Meu coração é um puteiro diferente, se você vier apenas para transar com as putas, vá embora. Eu tô cansada desse entre e sai. Mas se você quiser entrar e conversar um pouco com as putas fica a vontade. Só avisa sua intenção pro porteiro. Depois você pode ir embora, mas no tempo que estiver aqui, fique aqui." Com certeza o dicionário me fez dizer umas coisas que soaram bem mais idiotas. Eu sabia que aquelas palavras tinham me feito perder muito mais que batalhas, mas a guerra. A noite foi de insônia, pensando parada e arrumando as malas. A única coisa que eu poderia arrumar. Fomos pelo mesmo caminho, mas cada um seguiria uma guerra e eu sabia disso, só não sabia que não ia aproveitar a concentração até o fim.

Justificar
- O xixó

Minha bexiga clama por alívio às sei lá que horas da madrugada. Caminho entre o aglomerado de pessoas e a música alta. No banheiro realizo a primeira e última (única) conta matemática do dia. Quantas meninas na fila pra quantas cabines? No auge do meu desespero pelo xixi encontro Alice. Quando a vi senti que tinha voltado uns 5 anos na minha vida. Ela venho meio tonta "Naaaatiiiiiiiii" com uma enfâse imensa no i. Dois minutos de conversa e chega minha vez de ir para cabine. Ela entra comigo, mesmo eu não querendo. "Vamos cheirar?" E de repente aquele pó branco parece ser nossa única ligação. Depois de relutar por um tempo, decido delirar. Todos os detalhes de quem comete um crime estavam em cima do porta papel higiênico. Mas quando olho pra baixo, vejo Alice em seu pior momento, cheirando a beira do vaso aquele xixi junto com pó. Ela parecia nem notar. Deixo a cabine sem sequer dar tchau. Lá fora sinto-me completamente tonta. Atordoada com que tinha acabado de viver.

- Manhõr

Mas peraí, essa história não começa aqui. Pelo menos pra mim não começa aqui. Era de manhã quando descobri que depois de 21 natais de reuniões familiares tradicionais, eu não teria meu pai naquele 22º. Ele passaria a noite de natal no hospital. Há oito meses, ele não anda e não fala mais. Pelo menos não do modo convencional. Na entrada para o último mês dessa dolorosa "gestação" eu senti o peso de parir aquela dor. Alguém bateu na porta e me avisou. "Seu pai não está bem, não há previsão de alta e não tem nada que possamos fazer". As malas ainda nem estavam prontas pra viagem do dia seguinte. Antes eu iria vê-lo, depois da madrugada alcoolizada.

- Antecedentes criminais

São meia noite, naquela divisão do dia difícil e do novo dia que carregava uma esperança de ser melhor, chego aquele local de quadradinhos. Logo na entrada vejo meus amigos e me sinto abraçada, ainda que faltassem alguns passos para encontra-los. O sentimento era de alegria e desespero ao mesmo tempo. Muitas pertubações ocupavam a minha mente. Eu sabia que, tampouco, conseguiria viver aquela noite. Eu só não sabia porque achei que teria uma alta fidelidade. Antes da festa, ele queria comer. Faço companhia. Não sei porque. Acho que nasci com um espirito materno de cuidar.

- En quadrado

O português, o espanhol e até um pouco de inglês. Só eu não me sentia falando nenhuma daquelas línguas dentro do lugar de quadradinhos e ainda não sei ao certo o motivo, mas não sentia. Tudo parecia louco e errado. Se virassem o mundo de cabeça pra baixo, talvez eu me encontrasse. Ah talvez assim eu me encontre. Nenhuma das coisas que eu queria estavam ali e então a fuga para minha bexiga apertada era também um local onde eu poderia ficar um pouco só.

-Delírio

Solidão não encontrei e assim como Paulo Leminski eu só sei pensar andando. Parada e no auge do meu delírio, me agarro aos dois amigos como se eles fossem a última coisa do mundo. Eles dançam, eu mexo minha inquietação. O pó sobe, essa é a hora em que vou agir sem ter andando, sem ter pensado, vomito palavras. Meus olhos não fecham, mas quero ir embora para evitar que meu coração veja coisas que os olhos não queriam sentir. Antes disso, falei e fugi.



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