eu mexia meu capuccino como se aquela mistura marron-branco fosse a  única coisa que eu tivesse na vida.  eu já tinha colocado meus dois pães  de forma na torradeira enquanto aquela géleia de laranja me olhava  constantemente. na minha frente um rapaz franzino, nem alto, nem baixo,  olhar sereno e concentrado. no fundo da cafeteria, uma senhora com a  pele caída, os cabelos brancos feito neve e os olhos azuis cançados sem  óculos.
de repente, um estalo da torradeira e um susto. a fumaça toma  conta do estabelecimento, o rapaz franzino tenta me ajudar a tirar os  pães de dentro da torradeira. eu desesperada puxo a lavanca umas 20  vezes. a senhora vem do fundo do balcão, passos rápidos pra ela, mas  lentos para o desastre, desliga a tomada e o caos parece terminar.
sento  de novo na cadeira, um tanto constragida, mexo novamente meu café. o  rapaz, franzino, me olha um pouco, tentando ser discreto. mas eu noto  logo a inquietude dele.  a senhora também me olha, agora os olhos azuis  dela parece me repreender e ao mesmo tempo sentir pena de mim. meio sem  graça tento comer rápido.
um homem negro, black power que ainda não tinha entrado na história senta-se ao meu lado.
- vamos pegar um trem?
olho para ele assustada.
- que?
ele me olhou como se me conhecesse mais do que eu mesma.
- você tá de mochila a  gente pode pegar um trem pra Vitória agora
eu assustada respondo:
-mas eu vou para casa, não vou fazer viagem alguma.
ele então se levantou inconformado
-você está mentindo para si mesma menina
o capuccino cai no meu colo e meu vestido fica sujo de marrom e branco
levanto-me sem dar tchau a ninguém.
nos primeiros passos não consigo esquecer o rosto daquele homem
"você está mentindo para si mesma menina"
meus passos começam a ser rápidos perdidos.
quando entro no trem.
o homem de black power senta ao meu lado.
quer torrada?