nuvem de criança

A gente brincava, por um vaaaaasto parque, o dia estava bastante bonito, as arvores pareciam mais verdes, estavam lá alguns amigos, e todos estavamos mais felizes que nunca, a vida tinha nos abençoado com um bom dia, tinha nos dado aquele som que tanto sonhavamos, dentro dos nossos quartos enquando chovia feeeeeito louco, apesar de ser verão. É como a juventude que não sabia o que fazer desse estado de se ter pouca idade.
Sorriamos, e corriamos pelo gramado, até cansar. Sabe quando corremos tanto que nossas pernas se esgotam e agente acaba caindo e dando gargalhadas sem saber por que? Pois é era assim que estavamos, era como se a cada corrida tivessemos vivendo mais forte, mais intenso, e sabe, a brisa se torma maior, e as imagens ficam engraçadas quando corremos, algumas coisas ficam mais rapidas, outras mais lentas, é ter o privilégio de correr sorrindo.
Ao longe, uma menininha corria, e ao contrário de nós, ela nem olhava para a frente, observando as pessoas e arvores, ela olhava para cima, vendo as nuvens de diversas formas e cores (tá, as cores eu não sei de onde tirei caro leitor, mas é melhor pensar em várias cores, imagine um céu assim).
Eu corria buscando uma nuvem mais bela, com um formato de coelinho sabe, até que encontrei, e percebi que o vento estava levando ele embora, coelho arisco, nem deixava eu olhar para ele, ele comecou a sair correndo, parece aqueles coelhos que agente vê em festa junina, que se esconde em casinhas, atras de comida. Coelho bobo. E eu comecei a correr atrás dele, para ver se consegui acompanhá-lo, nem que seja de vista. Então ele começou a se desmanchar, e quando percebi perdi a orientação de tudo.
Quando vi, a menininha tropeçou em uma pedra e caiu, um tombo engraçadíssimo (peço desculpas ao leitor, mas quem nunca riu de um tombo), ainda assim, fiquei preocupado e corri para ver se ela estava bem.
- Você está bem?
E a menina chorava, chorava, chorava.
- O que houve?
- Eu perdi minha referência, eu quebrei, eu quebrei.
- Quebrou a perna, o braço?
- Quebrei meu sonho.
- O Sonho?
E ela chorava, chorava.
Eu parei e pensei um pouco.
- É eu sei, é verdade, quebrar o sonho é dolorido, as vezes parece que quebrar o sonho é mais dolorido que a perna.
- Sim, é pior que não andar, pois quando se sabe para onde ir, pode se pedir para alguem levar, agora se não se sabe, nem 4 pernas ajudam.
Eu fiz uma cara melancôlica, e sorri.
Por que ele está sorrindo? Eu estou com dor aqui, e nem sei como tratar, nem dipirona vai ajudar (pois é gente, tem alguns que tentam curar até dor de amor com dipirona, AAS, entre outras drogas por aí, mas ela sabia que não). Esse garoto não para de sorrir, que bobo.
- Qual é o teu problema heim?
E ele olhava para cima, para um céu azul, azulzinho. E agora como um doente, estendia a mão e as nuvens iam se desmanchando com o seu dedo, e dando novas formas, mas isso só para ele (ele tinha probleminhas).
- Olhe só. Veja comigo, aquela nuvem está redonda, e não se parece com nada, mas olhe o meu dedo e imagine que ele é capaz de movimentar a nuvem, olha só. Agora tem um cachorrinho.
E ela enxugou as lágrimas.
- Olha agora, tem um patinho ali, olha o bico, o rabinho, olha, um pardal, um elefante.
E ele ia desenhando um monte de bichinhos. E falava.
- Quack, Quack, Muuuuu, Muuuuuu, Hoinc, Hoinc.
E imitava o zoologico inteiro.
E ela sorria, ria.
Quando vê, ele pegou e esfregou tudo com a palma da mão.
- HEEEEEYYYYY, Por que você fez isso?
- É só um céu.
E ela emburrou.
- Sim, é só um céu, as formas nascem, se modificam, as vezes só agente as vê. E o vento leva, agente apaga. Mas saiba, o vento pode levar, e não parecer mais bichinho nenhum.
E ela continuou emburada. Ele pegou a mão dela, e ela tirou.
- Me deixe pegar a tua mão. (e ela deixou), agora deixe ela espalmada. Tá vendo o coelinho, vamo apagar ele.
- Ele era tão bonito.
- Mas o vento já o levou.
- Tá bom. - Com um jeitinho sicinto de menina.
E ela apagou.
- Agora me dá o indicador.
E eles fizeram um novo bichinho.
Quando vê o vento levou, e ela começou a soluçar.
- Calma, calma, faz de novo. ... melhor apaga, e faz outro.
E ela começou a se divertir com a brincadeira.
E ficaram até de noite, brincando de desenhar nuvens, e colorindo lembre-se, as nuvens tem cores heim.
E quando chegou a noite, ela quis ir embora.
- Agora tudo acabou =(.
Ele ficou em silêncio, ela se levantou, e quando foi querer ir embora.
- Não não, olhe para cima, agora tem estrelas.

Esse texto é um presente do meu amigo Marcos Medeiros que mesmo longe consegue me fazer sentir seu abraço com as palavras. Obrigada.

dança

Por mais que eu me banhasse, aquele cheiro de sangue não saia do meu corpo. Minha boca ainda tinha o gosto amargo do teu sangue. Eu corria desperada pelo rio, mas a água não me limpava. Era tão assustador ter seu corpo todo ensanguentado junto ao meu. Nossos corpos jogados no canto da sala em posição fetal. Aquecida com o calor do seu sangue, eu ouvia um barulho esturrecedor dos gritos lá fora, enquanto você clamava pra eu não tirar meus pés do lado dos seus, pois você sentia frio. Eu sentia o teu peito suspirando em busca dos últimos resquicios de vida, enquanto eu tentava lembrar alguma canção para sufocar a agonia da sua morte. Aos poucos começo a cantar calmamente no aconchego dos teus ouvidos e você pede que eu coloque os meus pés em cima dos teus, para que você me ensine a dançar além do "dois pra lá e dois pra cá". Sua mão deslizam sobre a minha cintura, enquanto a outra acaricia lentamente os meus cabelos. Eu apenas o abraço forte. Deixo-me guiar pelos seus passos enquanto lentamente fecho os olhos. Meu corpo se cansa e o teu também, vamos deslizando pela parede e tocando o chão, entrelaçados. Adormeço. Adormece pequenino, adormece.

O parto de Isabel

Quando Isabel foi embora pela primeira vez, eu chorei durante três dias, tomei uma garrafa de wiski e fumei dois maços de cigarro. Ela deixou em meus braços nosso filho carlinhos, eu num sabia o que fazer com aquele bebê. Quando Isabel partiu levou um pedaço do meu coração e deixou comigo todos nossos momentos felizes, eu nunca a esqueci e volta e meia olhava pela janela para ver se ela estava chegando. Isabel só voltou 2 anos depois e quando ela chegou eu senti uma felicidade desesperadora, era um misto de alegria com medo. Isabel num era mais a mesma, falava outras linguas, tinha conhecido pessoas diferentes e eu continuava o mesmo homem de barba rala que Carlinhos gostava de acariciar. Ele se apegou a mãe nos dias em que ela esteve aqui e quando Isabel foi embora pela segunda vez, acho que eu tive com quem dividir a dor. Dessa vez só tomei meia garrafa de wiski e fumei apenas um maço de cigarro. Carlinhos chorou um pouco, mas crianças se adaptam fácil de novo. Passados alguns anos, Isabel voltou, dessa vez quase não senti alegria, só medo, mas ela acariciou minha barba os meus cabelos e eu logo quis que ela ficasse aqui. Começamos a viver muito felizes, até que Isabel foi embora pela terceira vez, dessa vez não chorei, não bebi e não fumei. Acho que não me lembro mais de minha felicidade com ela. Passei a noite em claro com medo do que Carlinhos faria quando notasse a ausência da mãe. Ele acordou e disse:
- Papai vamos morar em outra casa?
Naquela tarde pegamos um trem, o mesmo que Isabel partia, naquele dia deciframos o mundo que ela trazia na bagagem, mas nunca mais esperamos que ela voltasse.

O Roteiro


Quando Mathias bateu na porta, eu fiquei me perguntando se deveria abrir ou não. Há algum tempo eu não atendia ninguém. Sem saber o porque, larguei a máquina de escrever e abri a porta. Ele entrou e sentou na velha poltrona marron. Eu continuei datilografando o roteiro, enquanto ele insistia em ligar a vitrola que não funcionava mais. Tentei fingir que ele não estava lá, mas aos poucos ele conseguiu ligar a vitrola, eu comecei a fazer o seu café, comecei a lhe dar cobertas a noite. Nunca soube exatamente o porque, mas era isso que eu fazia. Era engraçado e estranho saber que agora o barulho da máquina de escrever era dividido com os passos dele pela casa. Meu roteiro foi se modificando com a presença dele, acho que é por isso que eu não abria a porta pra ninguém, sofria de um medo absurdo de ter que mudar meu roteiro com a entrada de novos persoangens e o tal final feliz que eu tinha preparado não acontecesse. Faz dias que não sei se Mathias ainda está aqui, o meu tempo para entregar o roteiro está ficando curto e eu quase não escuto seus passos. O café esfria na mesa e não sei se ele sente frio a noite. Há tempos não me incomodava ficar sozinha, isolada nessa casa de campo, mas nesses últimos dias tem sido estranho não saber se Mathias está aqui ou se ele já se foi. Acho que por causa disso que não consigo terminar o roteiro. Eu preciso de um fim, não gosto de histórias que tenham um fim em aberto, porque não gosto de continuar velhas histórias. Preciso de um fim, Mathias você ainda está aqui? E você leitor, conseguiu chegar até o fim desse história, meio sem fim.

O Rei Arthur e a Puta

Sentei-me bem na ponta daquele banco de madeira branco. Noutro canto estava ele, Arthur. Nunca tinha o visto tão quieto, sentado daquele jeito. Faz exatamente 3 meses que Arthur internou-se na clinica de recuperação para drogados, mas fazem 3 anos que não nos vemos. Eu não fazia idéia do que dizer e ele ficou com o olhor perdido em mim. De repente, ele soltou:
- Você está ainda mais bonita.
Dei um sorriso tímido. Eu estava usando uma blusa de um seriado, um short jeans e um colete preto. Muito diferente das saias curtinhas, botas e tomara que caia que eu costumava usar quando ele me conheceu.
A única coisa que consegui perguntar foi:
- Tá tudo bem com você?
- Que que aconteceu com a gente hein? Éramos tão felizes. (Ele me disse com um olhar triste)
Eu queria responder que a droga estragou tudo, mas a verdade é que o Arthur não é o vilão dessa história. Quando eu e Arthur nos conhecemos eu trabalhava no cabaré da Dona Odilia, foi lá que me fiz puta e aprendi tudo que sei. Um dia, amargurado com o namoro que não lhe trazia felicidade, Arthur foi até o puteiro em busca de distração. Dona Odilia me apresentou para ele e acabei não fazendo o programa naquela noite. Conversamos a noite toda e quando ele quis pagar não aceitei. Arthur voltou muitas noites no Cabaré. Entre os homens que iam e vinham ele foi o único por quem eu senti vontade de passar a noite e não fazia pelo dinheiro.
Arthur me fez aprender a coisa mais esquisita da vida, é possível amar alguém e ser amado, mas mesmo assim não ser feliz. Eu estava enlouquecida com ele e ele comigo. Quase todas as noites ele ia ao Cabaré, riamos muito e a companhia dele era a melhor coisa que eu tinha. Passavamos a noite conversando e o tempo voava, um dia brinquei que ele era o Rei Arthur e eu apenas uma puta.
No mês de janeiro, Arthur começou a não ir todas as noites me visitar e eu fui ficando cansada daquilo. Um dia, de supetão, disse a ele que nunca mais queria vê-lo. Não era verdade, mas eu achei conveniente. Ele foi embora meio triste. Eu ainda não sei porque tomei aquela atitude, mas também nunca soube porque ele parou de me visitar.
Em três anos Arthur usou todo tipo de drogas possíveis, se tornou também um lixo que a sociedade queria se livrar. Assim como eu na minha condição de puta. Eu conheci vários amores, mas nenhum foi como ele e com ele aconteceu a mesma coisa. Engraçado como o mundo muda em 3 anos. Eu resolvi largar o Cabaré, escrevi um livro "O Rei Arthur e a Puta". Passei um ano me dedicando a ele e o lancei ontem, foi um sucesso. Se você tava se perguntando porque eu vim visitar o Arthur, tá ai a resposta. Vim lhe entregar o livro que diz o quanto ele me fez bem e o quanto me fez mal.
- Vim lhe trazer isso
- "O Rei e a Puta"? (Ele riu)
- Pois é, escrevi.
Passamos o resto da tarde rindo da situação.Arthur foi o grande amor da minha vida. Eu queria que ele ficasse com o livro de recordação. No inicio da noite fui embora.
- Adeus Arthur
- Adeus... (o meu nome não importa, agora podem escolher me chamar de puta ou de escritora, tanto faz.)
Copyright @ Centopéia | Floral Day theme designed by SimplyWP | Bloggerized by GirlyBlogger