a cadeira e o amor

Um dia olhando pra uma cadeira na minha frente, eu percebi que eu nunca vou conseguir contar sobre a minha própria história de amor. Seria arcaico. Romances começam com várias sextas feiras seguidas, viram sábados, depois apenas dias de semana e terminam em domingos. Nos domingos a gente sente um misto de vontade que ele num acabe e a certeza de que a segunda tá chegando. Quando a segunda chega, num adianta tentar achar que a sexta passada vai voltar, porque ela já se foi ha tempos.
A cadeira, um mogno na sala. Eu não sei se quando essa cadeira estiver velha eu vou querer troca-la. Porque ela significa algo, que eu num sei o que é, pra mim. O amor é um abismo entre todos os seus significados e a palavra pura e simples, "amor". O amor vira domingo para os dois, mas só um quer ir pra segunda feira. Ai a gente fica se perguntando porque que o outro quis começar uma nova semana. Se pergunta se ele ainda se lembra das sextas feiras e se pergunta se ele não vai dizer que se lembra. Ai a gente fica assim, meio domingo.
Essa cadeira agora me fez pensar em sexo. Onde se senta, come. A gente se alimenta do outro e depois quando a pessoa se vai, vomita. Não é um vômito de raiva ou de querer jogar tudo pra fora, é de nervoso com o ressurgimento de outrém. O amor num é puro, é obsceno. O sexo é puro. São apenas duas pessoas nuas, são só corpos e corpo todo mundo tem. O amor é o peido que você solta na sexta ou no domingo. Quando a gente gosta e se relaciona com outrém, não somos nosso corpo nu, mas sim nossos corpos ao avesso.
Tô mesmo pensando em trocar essa cadeira de lugar, talvez verde, talvez corta um pouco as pernas dela. Num dá pra contar a vida, porque ela muda o tempo todo. Num posso segurar o presente, então ele se vai. As pessoas se vão e nós tambem vamos. Mas as vezes dá pra pintar de verde, trocar de lugar, ou apenas começar uma segunda feira, sabendo que logo vira uma sexta, um domingo e por ai vai.
Eu vou deixar essa cadeira ai do jeito que tá, porque eu quero ela mesmo é pra sentar. Embora ela possa servir para outras coisas. A gente tem a estranha mania de acreditar que cada amor é único, até que a gente vive vários amores únicos. Mas a cadeira é pra sentar, enquanto eu a quero pra sentar e acho que é isso que me incomoda no amor, eu quero sentar agora e não depois. Ai eu sento e de repente quero ir embora, quero pinta-la de verde e sair na sexta ou o dia vira domingo pra mim e essa cadeira me traz uma nostalgia imensa. Ai eu vejo que nem gosto dela tanto assim, mas gosto da sua nostalgia, do fato dela estar ali por tanto tempo. Talvez eu num devia ficar com uma cadeira por tanto tempo, vou me apegar a ela. Mas vou ir olhando uma cadeira que quero ficar até ficar velha. Hoje é domingo, amanhã é segunda e daqui a pouco é terça de novo, mas eu num vou me esquecer das sextas feiras. Vem cá cadeira senta aqui comigo. Sabe que olhando assim pro calendário parado na quarta feira, sim sou uma quarta feira, num sei se mais pro domingo ou pra sexta e quer saber vou dormir sentada em vc essa noite. boa noite cadeira.

pausa

Ele estava sentado num canto da Praça, todas as outras pessoas se expremiam nos bancos opostos. Sento-me bem perto dele, mas acho que ele nem reparou a minha presença. Com um saco preto que parecia conter latinhas e outros objetos ele tira um pente do bolso e começa a pentear os cabelos incrivelmente lisos, contrastando com a pele morena de sol. A barba um pouco esbranqueçada pelo tempo, o olhar triste e cansado. Mais cansado do que triste. O corpo se esquivava em direção ao chão, as mãos inquietas e o olhar desconsolado. Desconsolada também fiquei, engraçado como a gente sai andando com pressa e de repente a vida te faz uma pausa, foi isso que senti quando o vi. Ele estava sentado, calmo, cansado, enquanto eu corria e corria pra que? e por que? Desconsolada fiquei eu, nem sabia quem era aquele homem. Enquanto me perguntava, ele ascendia um cigarro e agora aquela cena me parecia mais desconsoladora ainda. Eu queria ir lá falar com ele, queria perguntar quem ele era, de onde venho e porque estava ali, mas não consegui, apenas segui meu caminho. Me levantei, caminhei e o semáforo me faz parar, não tirei os olhos dele, ele não olhava para nada, além do chão, de repente se levantou e seguiu seu caminho, entre as lixeiras da cidade. Nos meus olhos uma pequena lágrima escorre. Aquele homem, sem nome, endereço ou profissão, era uma pausa em minhavida. Ele era isso, uma pausa em minha vida.

nuvem de criança

A gente brincava, por um vaaaaasto parque, o dia estava bastante bonito, as arvores pareciam mais verdes, estavam lá alguns amigos, e todos estavamos mais felizes que nunca, a vida tinha nos abençoado com um bom dia, tinha nos dado aquele som que tanto sonhavamos, dentro dos nossos quartos enquando chovia feeeeeito louco, apesar de ser verão. É como a juventude que não sabia o que fazer desse estado de se ter pouca idade.
Sorriamos, e corriamos pelo gramado, até cansar. Sabe quando corremos tanto que nossas pernas se esgotam e agente acaba caindo e dando gargalhadas sem saber por que? Pois é era assim que estavamos, era como se a cada corrida tivessemos vivendo mais forte, mais intenso, e sabe, a brisa se torma maior, e as imagens ficam engraçadas quando corremos, algumas coisas ficam mais rapidas, outras mais lentas, é ter o privilégio de correr sorrindo.
Ao longe, uma menininha corria, e ao contrário de nós, ela nem olhava para a frente, observando as pessoas e arvores, ela olhava para cima, vendo as nuvens de diversas formas e cores (tá, as cores eu não sei de onde tirei caro leitor, mas é melhor pensar em várias cores, imagine um céu assim).
Eu corria buscando uma nuvem mais bela, com um formato de coelinho sabe, até que encontrei, e percebi que o vento estava levando ele embora, coelho arisco, nem deixava eu olhar para ele, ele comecou a sair correndo, parece aqueles coelhos que agente vê em festa junina, que se esconde em casinhas, atras de comida. Coelho bobo. E eu comecei a correr atrás dele, para ver se consegui acompanhá-lo, nem que seja de vista. Então ele começou a se desmanchar, e quando percebi perdi a orientação de tudo.
Quando vi, a menininha tropeçou em uma pedra e caiu, um tombo engraçadíssimo (peço desculpas ao leitor, mas quem nunca riu de um tombo), ainda assim, fiquei preocupado e corri para ver se ela estava bem.
- Você está bem?
E a menina chorava, chorava, chorava.
- O que houve?
- Eu perdi minha referência, eu quebrei, eu quebrei.
- Quebrou a perna, o braço?
- Quebrei meu sonho.
- O Sonho?
E ela chorava, chorava.
Eu parei e pensei um pouco.
- É eu sei, é verdade, quebrar o sonho é dolorido, as vezes parece que quebrar o sonho é mais dolorido que a perna.
- Sim, é pior que não andar, pois quando se sabe para onde ir, pode se pedir para alguem levar, agora se não se sabe, nem 4 pernas ajudam.
Eu fiz uma cara melancôlica, e sorri.
Por que ele está sorrindo? Eu estou com dor aqui, e nem sei como tratar, nem dipirona vai ajudar (pois é gente, tem alguns que tentam curar até dor de amor com dipirona, AAS, entre outras drogas por aí, mas ela sabia que não). Esse garoto não para de sorrir, que bobo.
- Qual é o teu problema heim?
E ele olhava para cima, para um céu azul, azulzinho. E agora como um doente, estendia a mão e as nuvens iam se desmanchando com o seu dedo, e dando novas formas, mas isso só para ele (ele tinha probleminhas).
- Olhe só. Veja comigo, aquela nuvem está redonda, e não se parece com nada, mas olhe o meu dedo e imagine que ele é capaz de movimentar a nuvem, olha só. Agora tem um cachorrinho.
E ela enxugou as lágrimas.
- Olha agora, tem um patinho ali, olha o bico, o rabinho, olha, um pardal, um elefante.
E ele ia desenhando um monte de bichinhos. E falava.
- Quack, Quack, Muuuuu, Muuuuuu, Hoinc, Hoinc.
E imitava o zoologico inteiro.
E ela sorria, ria.
Quando vê, ele pegou e esfregou tudo com a palma da mão.
- HEEEEEYYYYY, Por que você fez isso?
- É só um céu.
E ela emburrou.
- Sim, é só um céu, as formas nascem, se modificam, as vezes só agente as vê. E o vento leva, agente apaga. Mas saiba, o vento pode levar, e não parecer mais bichinho nenhum.
E ela continuou emburada. Ele pegou a mão dela, e ela tirou.
- Me deixe pegar a tua mão. (e ela deixou), agora deixe ela espalmada. Tá vendo o coelinho, vamo apagar ele.
- Ele era tão bonito.
- Mas o vento já o levou.
- Tá bom. - Com um jeitinho sicinto de menina.
E ela apagou.
- Agora me dá o indicador.
E eles fizeram um novo bichinho.
Quando vê o vento levou, e ela começou a soluçar.
- Calma, calma, faz de novo. ... melhor apaga, e faz outro.
E ela começou a se divertir com a brincadeira.
E ficaram até de noite, brincando de desenhar nuvens, e colorindo lembre-se, as nuvens tem cores heim.
E quando chegou a noite, ela quis ir embora.
- Agora tudo acabou =(.
Ele ficou em silêncio, ela se levantou, e quando foi querer ir embora.
- Não não, olhe para cima, agora tem estrelas.

Esse texto é um presente do meu amigo Marcos Medeiros que mesmo longe consegue me fazer sentir seu abraço com as palavras. Obrigada.

dança

Por mais que eu me banhasse, aquele cheiro de sangue não saia do meu corpo. Minha boca ainda tinha o gosto amargo do teu sangue. Eu corria desperada pelo rio, mas a água não me limpava. Era tão assustador ter seu corpo todo ensanguentado junto ao meu. Nossos corpos jogados no canto da sala em posição fetal. Aquecida com o calor do seu sangue, eu ouvia um barulho esturrecedor dos gritos lá fora, enquanto você clamava pra eu não tirar meus pés do lado dos seus, pois você sentia frio. Eu sentia o teu peito suspirando em busca dos últimos resquicios de vida, enquanto eu tentava lembrar alguma canção para sufocar a agonia da sua morte. Aos poucos começo a cantar calmamente no aconchego dos teus ouvidos e você pede que eu coloque os meus pés em cima dos teus, para que você me ensine a dançar além do "dois pra lá e dois pra cá". Sua mão deslizam sobre a minha cintura, enquanto a outra acaricia lentamente os meus cabelos. Eu apenas o abraço forte. Deixo-me guiar pelos seus passos enquanto lentamente fecho os olhos. Meu corpo se cansa e o teu também, vamos deslizando pela parede e tocando o chão, entrelaçados. Adormeço. Adormece pequenino, adormece.

O parto de Isabel

Quando Isabel foi embora pela primeira vez, eu chorei durante três dias, tomei uma garrafa de wiski e fumei dois maços de cigarro. Ela deixou em meus braços nosso filho carlinhos, eu num sabia o que fazer com aquele bebê. Quando Isabel partiu levou um pedaço do meu coração e deixou comigo todos nossos momentos felizes, eu nunca a esqueci e volta e meia olhava pela janela para ver se ela estava chegando. Isabel só voltou 2 anos depois e quando ela chegou eu senti uma felicidade desesperadora, era um misto de alegria com medo. Isabel num era mais a mesma, falava outras linguas, tinha conhecido pessoas diferentes e eu continuava o mesmo homem de barba rala que Carlinhos gostava de acariciar. Ele se apegou a mãe nos dias em que ela esteve aqui e quando Isabel foi embora pela segunda vez, acho que eu tive com quem dividir a dor. Dessa vez só tomei meia garrafa de wiski e fumei apenas um maço de cigarro. Carlinhos chorou um pouco, mas crianças se adaptam fácil de novo. Passados alguns anos, Isabel voltou, dessa vez quase não senti alegria, só medo, mas ela acariciou minha barba os meus cabelos e eu logo quis que ela ficasse aqui. Começamos a viver muito felizes, até que Isabel foi embora pela terceira vez, dessa vez não chorei, não bebi e não fumei. Acho que não me lembro mais de minha felicidade com ela. Passei a noite em claro com medo do que Carlinhos faria quando notasse a ausência da mãe. Ele acordou e disse:
- Papai vamos morar em outra casa?
Naquela tarde pegamos um trem, o mesmo que Isabel partia, naquele dia deciframos o mundo que ela trazia na bagagem, mas nunca mais esperamos que ela voltasse.
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