Bo- rã - o

A voracidade e a doçura se misturavam no reflexo dos meus dentes em teus olhos
Em meio a fumaça do cigarro, seu rosto era o borrão mais bonito que eu já tinha visto
Teus dedos entrelaçados aos meus cabelos faziam meus cachos cairem em serpentinas de carnaval
Mas faltava uma ponte entre o passo do meu desejo e a insegurança das minhas pernas

Seu corpo inteiro cheio de desenhos e nenhum nome, gritava: decifra-me
Diferente da trilha sonora que tinha nome e nenhuma letra
Danço nas suas beradas esperando tropeçar e cair em alguma porta aberta tua
Você ri do meu improviso, mas é que meu corpo já viveu demais para aquele figurino
Eu conto os dentes entre os teus lábios, mas não termino
Talvez porque nú eu te entenderia ainda menos

Teus olhos me traem com a sua nuca e me sinto destentada
Não aceito o sentimento indigente
Vou enterra-lo quando houver um nome
Não o perdoô pela alegria desta noite
Mas teto de porão não acorda com minhas lágrimas de lamentação, tampouco com a chuva

Coloco-te na minha estante como um livro não lido
A imensidão azul da capa é a cor que escolhi para os ventos das suas palavras sopradas ao meu ouvido
Velojo a encontrar uma plaquinha de fim no mundo redondo
Céu e mar se encontram na imensidão azul e vejo que perdi teu sopro
Agora tenho apenas o abraço em que as pontas dos dedos não se encontraram
E a vontade do reencontro

Aonde mora meu lugar feliz?

Sabe quando até o seu lugar feliz parece triste? Ali, desenhando todos os prédio da cidade, eu me perguntava se ainda vou ver o céu. Exalando cansaço pelos poros, naquele sol que não vinha de um Belo Horizonte. O cara que escreveu o roteiro da minha vida deve ter esquecido de colocar as vírgulas, penso. Contudo, eu aprendi a abrir parênteses e para fazer o coração palpitar de outra coisa que não seja aflição. Injeções e mais injeções de adrelina. Injeções e mais injeções de nicotina, de tequilas, de amor temporário ... No meu cartão de vacina a moça carimba fuga e lá vou eu naquela na minhoca cheia de gente. Trânsito, trânsito, trânsito e a fila dos outros sempre anda mais rápido que a minha, mas é que eu não sei direto para onde estou indo e por isso não pesquisei as rotas mais curtas ou menos engarrafadas.
"Numa multidão de amores sozinho é quem não espera". Minha cabeça não parava de pensar naquela frase de parede de bar. Eu me indagava: Qual é o amor que eu estou procurando? Naquela multidão de gente, atrás da montanha, vendo o rio passar, eu me perguntava acuada em qual porto eu tinha me perdido e quando é que o barco vinhame levar de volta. O rio corria e meu velho não estava mais ali, embora estivesse, para me ajudar.
Já nem sei mais quantas noites acordada. Já nem sei mais quantas vezes no escuro acordo para ver se ele ainda respira, ainda que com toda a dificuldade possível. Obrigatoriamente, amanhã a vida começa cedo e ainda que não consiga ou ainda que eu não dê conta, todas as pessoas me esperam lá com seus relógios. Enquanto todas as pessoas sonham, eu me reviro na angústia. Nos dias em que não me obrigo ver o sol nascer, minha noite começa as 6h da manhã.
Sabe moço, quando você me jogou no mundo, receio que tenha me dado uma mochila maior que eu. Vivo a arrasta-la, isso me causa muito cansaço. Logo, não tenho tempo para amar, não tenho tempo de trocar minhas roupas, não tenho tempo de... Você podia ao menos não ter inventado o relógio, ai já me ajudaria um bucado. A solidão tem tomado conta, mesmo acompanhada. Mas sabe qual é? Amanhã eu não quero satisfazer ninguém além de mim. Criei um roteiro, porque sabe alguns capítulos valem muito a pena. Aqueles com participação especial, mas que vocês escreve a história. Meu lugar feliz? É um banco dentro de mim que meu velho sentou-se por muitas vezes. Hoje apenas eu vou visita-lo no lugar feliz dele. Lá se vai a noite e eu peço calma e um pouco de paz e principalmente, sono, muito sono. Boa noite, moço, moça e a senhorinha de 82 anos que ficou ouvindo essa história.

Pralgum arrematamento

Com uma caneta na mão eu desenhava no meu braço uma projeção do nosso futuro enquanto você vomitava os corpos femininos daquela noite. Despencada no chão, eu me esperançava que as nuvens estivesse correndo “pralgum” lugar, já que eu continuava amarrotada junto com as roupas de cama.

Me falta fôlego pra arranjar uma palavra, e apenas uma palavra, em qualquer outra língua que tenha o mesmo significado da nossa saudade. Me falta fôlego para contrariar minha quase vontade de sair na chuva de guarda chuva. Me falta fôlego pra cuspir os meus corpos masculinos tão plásticos.

Passo horas acertando o relógio para ver se de alguma forma encontro uma direção qualquer. Corro no caminho contrário ao bloco do carnaval. Enquanto você me espera ao lado do palhaço, eu, Colombina, lhe coloco um laço vermelho e guardo num canto qualquer do guarda-roupa. Embrulho, embromo.

Na minha boca o gosto amargo dos dois maços de cigarro se misturava ao chicletes de menta enquanto eu engolia bolinhas de sabão docemente amargas. Na sua boca um gosto amargo de passado misturada a doçura do carnaval. Nos enchendo com nossos vazios.

Já inchada de tanto nada, me amarrotei num carnaval, me amarroto em vários carnavais, mas um dia eu vou arrematar. Ah! um dia eu arremato.

Não sou...ou talvez eu seja...

Não sou mulher de flores, tampouco me agrada um jantar romântico regado a vinho. Prefiro mesmo um bar copo sujo, uma cerveja gelada e uma batatinha engordurada. Não, eu não sou lésbica e também não estou querendo me afastar do amor. É que eu gosto de sentir a intensidade das coisas. Gosto mesmo é dos meninos de corpos suados depois de dançarem desengonçados pelos inferninhos de Beagá. Gosto daquele cabelo mal cortado ou mal penteado caindo no rosto. Gosto das tequilas que tomamos juntos, mas sinto falta das que não podemos virar.

Gosto de terminar dividindo um colchão apertado nas noites mal dormidas. Gosto dos teus pés invadindo meu espaço durante a madrugada. A respiração tão perto que quase dá pra sentir o cheiro do pulmão. Gosto de ouvir o batuque do seu coração misturado ao meu, no encostar dos peitos. Gosto do gosto amargo de cigarro na minha boca depois de um beijo. Gosto das madrugadas na praça porque eu não tenho ônibus. Gosto do abraço pra gente tentar não sentir frio.

Gosto de me programar para te ver, mas se você espera pontualidade, saiba que eu não vou chegar no horário, porque sou naturalmente atrasada. Se você espera que eu vou pegar sua mão no meio da rua quando estivermos caminhando, esqueça, eu sou tímida. Se você espera um beijo surpresa, espera um pouco mais, uma hora eu chego lá.

Não ligo se você quiser fazer novos amigos ou amigas, se puder até me apresente. Não ligo se tenho que pegar três ônibus e andar quatro quilometros pra te buscar ou te levar a algum lugar. Não ligo de ter que assistir o jogo do seu time, mesmo preferindo que você não gostasse de futebol. Não me importo se você não tem grana e vamos ter que dividir o bar com as putas, os drogados e um garçom já velho que demora um pouco e traz a cerveja errada.

Mas eu vou me importar se você me deixar sozinha a noite toda. Vou me importar se você não me levar ao ponto de ônibus a noite como cavalheirismo. Vou me importar com coisas imbecis como você esquecer de me perguntar se quero a última azeitona antes de come-la. Vou me importar se você não se importar.

E se dizem hoje em dia que o amor virou uma coisa liberal, vão me perdoar, mas eu sou mulher a moda antiga. Lavo, passo, cozinho, faça tudo por você, mas não me faça ver essa troca de salivas. Só sei lidar com liberalismo se ele estiver muito bem conversado. Não sou mulher de n~çao sentir. Não sei nem ao certo se sou mulher, as vezes acordo tão menina. Sou menina que sonha. Sonha que nalgum lugar do mundo, há alguém que um dia vá querer dividir as noites suadas e os colchões apertados.

Medo e delirio em Belo Horizonte

-Fuga

Fujo, atordoada e sem saber quais palavras do dicionário mencionei. Durante a fuga não paro de pensar nisso. Lembro da essência. Na minha cabeça soava: "Meu coração é um puteiro diferente, se você vier apenas para transar com as putas, vá embora. Eu tô cansada desse entre e sai. Mas se você quiser entrar e conversar um pouco com as putas fica a vontade. Só avisa sua intenção pro porteiro. Depois você pode ir embora, mas no tempo que estiver aqui, fique aqui." Com certeza o dicionário me fez dizer umas coisas que soaram bem mais idiotas. Eu sabia que aquelas palavras tinham me feito perder muito mais que batalhas, mas a guerra. A noite foi de insônia, pensando parada e arrumando as malas. A única coisa que eu poderia arrumar. Fomos pelo mesmo caminho, mas cada um seguiria uma guerra e eu sabia disso, só não sabia que não ia aproveitar a concentração até o fim.

Justificar
- O xixó

Minha bexiga clama por alívio às sei lá que horas da madrugada. Caminho entre o aglomerado de pessoas e a música alta. No banheiro realizo a primeira e última (única) conta matemática do dia. Quantas meninas na fila pra quantas cabines? No auge do meu desespero pelo xixi encontro Alice. Quando a vi senti que tinha voltado uns 5 anos na minha vida. Ela venho meio tonta "Naaaatiiiiiiiii" com uma enfâse imensa no i. Dois minutos de conversa e chega minha vez de ir para cabine. Ela entra comigo, mesmo eu não querendo. "Vamos cheirar?" E de repente aquele pó branco parece ser nossa única ligação. Depois de relutar por um tempo, decido delirar. Todos os detalhes de quem comete um crime estavam em cima do porta papel higiênico. Mas quando olho pra baixo, vejo Alice em seu pior momento, cheirando a beira do vaso aquele xixi junto com pó. Ela parecia nem notar. Deixo a cabine sem sequer dar tchau. Lá fora sinto-me completamente tonta. Atordoada com que tinha acabado de viver.

- Manhõr

Mas peraí, essa história não começa aqui. Pelo menos pra mim não começa aqui. Era de manhã quando descobri que depois de 21 natais de reuniões familiares tradicionais, eu não teria meu pai naquele 22º. Ele passaria a noite de natal no hospital. Há oito meses, ele não anda e não fala mais. Pelo menos não do modo convencional. Na entrada para o último mês dessa dolorosa "gestação" eu senti o peso de parir aquela dor. Alguém bateu na porta e me avisou. "Seu pai não está bem, não há previsão de alta e não tem nada que possamos fazer". As malas ainda nem estavam prontas pra viagem do dia seguinte. Antes eu iria vê-lo, depois da madrugada alcoolizada.

- Antecedentes criminais

São meia noite, naquela divisão do dia difícil e do novo dia que carregava uma esperança de ser melhor, chego aquele local de quadradinhos. Logo na entrada vejo meus amigos e me sinto abraçada, ainda que faltassem alguns passos para encontra-los. O sentimento era de alegria e desespero ao mesmo tempo. Muitas pertubações ocupavam a minha mente. Eu sabia que, tampouco, conseguiria viver aquela noite. Eu só não sabia porque achei que teria uma alta fidelidade. Antes da festa, ele queria comer. Faço companhia. Não sei porque. Acho que nasci com um espirito materno de cuidar.

- En quadrado

O português, o espanhol e até um pouco de inglês. Só eu não me sentia falando nenhuma daquelas línguas dentro do lugar de quadradinhos e ainda não sei ao certo o motivo, mas não sentia. Tudo parecia louco e errado. Se virassem o mundo de cabeça pra baixo, talvez eu me encontrasse. Ah talvez assim eu me encontre. Nenhuma das coisas que eu queria estavam ali e então a fuga para minha bexiga apertada era também um local onde eu poderia ficar um pouco só.

-Delírio

Solidão não encontrei e assim como Paulo Leminski eu só sei pensar andando. Parada e no auge do meu delírio, me agarro aos dois amigos como se eles fossem a última coisa do mundo. Eles dançam, eu mexo minha inquietação. O pó sobe, essa é a hora em que vou agir sem ter andando, sem ter pensado, vomito palavras. Meus olhos não fecham, mas quero ir embora para evitar que meu coração veja coisas que os olhos não queriam sentir. Antes disso, falei e fugi.



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