fale com ele

Nunca pensei que um aperto de mão me arrancaria tantas lágrimas, mas naquela noite foi isso que aconteceu. Ver meu pai com todos aqueles aparelhos num quarto de CTI foi, de longe, a coisa que mais me doeu na vida. Pai é heroi, é quem te carrega no colo, mesmo quando você cresce. Pai não fica deitado sem falar ou andar. Acho que é isso que me desesperava e a única coisa que eu ouvia era "fale com ele".
Era a terceira noite que eu ia visita-lo e confesso que aquele cheiro de CTI não saia de mim, por mais que eu tomasse banho. A cena dele ali deitado também num saia da minha vista por mais que eu fosse a Paris. Quando durmo, o som dos aparelhos ainda apitam em meus ouvidos. E tudo que eu ouvia era "fale com ele".
Tão dificil quanto falar com Deus que não me responde,efetivamente, era falar com meu pai que parecia num reagir. Todos pediam que eu falasse com ele, mas eu não conseguia e acho que isso me causava imensa dor. De repente, resolvi falar com ele, mas não sentia fé naquilo. Mas naquela noite entendi que as pessoas nem sempre precisam falar pra te entender. Enquanto eu soltava palavras, ele apertou forte a minha mão e aquela foi uma das maiores emoções da minha vida. Não me lembro de ter chorado tão intensamente como naquele dia. Chorei por ver meu pai naquela situação, chorei porque queria leva-lo pra casa, chorei porque deu resultado falar com ele e chorei porque fiquei feliz com a reação dele.
Quando eu era criança meu pai me ensinou a falar e agora que cresci ele parece ter me ensinado de novo. De um modo bem diferente, ele me ensinou que falar era importante. Ontem ele me deu um sorriso e segurou forte a minha mão, parece sem valor, mas meu coração se encheu de esperanças. Meu pai despertou em mim uma fé que não existia e nunca existiu.
Sabe pai, é o seu coração que tá te deixando ai no hospital, mas eu lhe confesso que o meu fica um pouquinho ai todos os dias que te visito. Não sei se é a casa ou o meu coração que tá vazio, mas eu sinto falta de deitar no seu peito de passar o dia perguntando onde você vai, de esperar você chegar com as compras. Essa saudade misturada a angústia. A angústia de num saber se você voltar, se vai falar, se vai andar, se vai continuar sendo meu héroi.
Assim já tão velhinho você me faz falta aqui, porque eu não me pareço com mais ninguém. Porque na minha solidão, quase proposital, eu sabia que vc entendia quando eu chorava e no fundo eu acho que você é o único que sabe como eu me sinto e que de verdade me entende. Eu te procurava o dia todo que era pra sentir que tinha perto de mim um espelho. Que na minha solidão eu não estava sozinha.
Tem sido cada dia mais doloroso chegar naquele hospital, ver aquele monte de aparelhos, vê-lo tão debilitado. Mas cada dia é uma esperança, um esperança nova de que você volte a falar, nem que seja pra me perguntar "tá boa fia?", pra ir comigo até a padaria, pra tirarmos xerox ou simplesmente pra eu deitar no seu colo enquanto vc acaricia meus cabelos e no fim é você quem adormece.
Prometo que vou continuar falando contigo pai, até que volte com seus cabelos brancos e a mesma doçura de sempre. Doçura de quem ia comprar um chocolate quando eu, ou meu irmaão, diziamos que estava com vontade de comer, ou quando comprava lanches só para nos agradar.
Enquanto escrevia isso não conseguia conter as lágrimas e nessas palavras embaças uma grande esperança de um contar aqui que você melhorou asism com uma crônica que li e nunca esqueci. A escritora belohorizontina conta exatamente sobre seu pai na UTI e sobre ele ter se recuparado.

O texto dela é sobre o comentário carinhoso de um leitor desejando melhoras ao pai dela, que acabou melhorando. A esperança é um dia também escrever sobre o comentário de um leitor carinhoso contando que meu pai melhorou.
http://www.otempo.com.br/otempo/colunas/?IdColunaEdicao=12930,OTE

A Rosa Púrpura do Cairo

Posso afirmar aqui sem nenhum medo que "A Rosa Púrpura do Cairo" é um dos melhores filmes que eu não vi. Quando o Woody Allen escreveu essa peróla eu nem era nascida, mas se você quer saber eu bem que poderia ser a solitária Cecília viciada em filmes, embora tenha pouco jeito para garçonete. Naquele ano de 1985 a grande depressão assolava os Estados Unidos, hoje outras depressões assolam o mundo todo. De fato, as coisas mudaram, mas acho que alguns comportamentos permanecem intactos, aqueles ligados ao nosso subconsciente, aos sentimentos.
Engraçado como quem vê muitos filmes de repente se vê preso entre o real e o mundo fictício. Sempre achamos que a vida nos filmes é tão melhor que o mundo real. É nessa hora que o nosso diretor, hoje já velinho, calvo e com os mesmos óculos arredondados, nos surpreende. O personagem sai da tela em plena exibição e vai falar com Cecília. Dentre as frases inesquecíveis que ele diz, tem uma da qual me lembro sempre "estou preso na mesma história há anos". De repente parece que o mundo real é cheio de possibilidades e que os atores de cinema estão presos dentro da tela.
Mas sabe que as vezes eu também penso que estou presa dentro de alguns rolos e que só posso entrar em determinadas cenas. A gente deseja tanto que nossa vida comece com barrinhas coloridas e termine lindamente com o Fred Austari e Ginger Rogers dançando. A vida muda, passa, mas as pessoas tem sempre esse desejo no fundo do coração de final feliz e de um tal amor louco. Afinal de contas quem nunca sentiu uma vontade doida de que o personagem saisse da tela e sentasse ao seu lado? Quem nunca quis viver uma louca história de amor com um personagem de filme?
Aliás a saida do personagem da tela é uma das coisas mais geniais do filme, e o que mais gosto, a metalinguagem. Quando disse no início deste texto que "A Rosa Púrpura do Cairo" era o melhor filme que eu não vi, eu tava dizendo a verdade e mentindo. É que o filme exibido dentro do longa do Woody Allen não é mostrado por completo e como é um filme dentro do outro e com o mesmo nome só épossível assistir um e dai surge a brincadeira. Eu disse que num tinha assistido "A Rosa Purpúra do Cairo" só não disse qual deles.
O filme ganhou o oscar de melhor roteiro original em 1985 e se querem saber foi mais que merecido. Sabe que eu fiquei imaginando o nosso diretor sentado em uma cadeira com seu cigarrinho para da um charme e de repente alguém chega e lhe diz que queria estar num filme e ele pensa em escrever esse roteiro e como num poderia ser diferente, nos matar de rir com as confusões que o ator vive no mundo real e que Cecília vive no mundo fictício. Aliás qual é o mundo real e qual é o fictício?


a cadeira e o amor

Um dia olhando pra uma cadeira na minha frente, eu percebi que eu nunca vou conseguir contar sobre a minha própria história de amor. Seria arcaico. Romances começam com várias sextas feiras seguidas, viram sábados, depois apenas dias de semana e terminam em domingos. Nos domingos a gente sente um misto de vontade que ele num acabe e a certeza de que a segunda tá chegando. Quando a segunda chega, num adianta tentar achar que a sexta passada vai voltar, porque ela já se foi ha tempos.
A cadeira, um mogno na sala. Eu não sei se quando essa cadeira estiver velha eu vou querer troca-la. Porque ela significa algo, que eu num sei o que é, pra mim. O amor é um abismo entre todos os seus significados e a palavra pura e simples, "amor". O amor vira domingo para os dois, mas só um quer ir pra segunda feira. Ai a gente fica se perguntando porque que o outro quis começar uma nova semana. Se pergunta se ele ainda se lembra das sextas feiras e se pergunta se ele não vai dizer que se lembra. Ai a gente fica assim, meio domingo.
Essa cadeira agora me fez pensar em sexo. Onde se senta, come. A gente se alimenta do outro e depois quando a pessoa se vai, vomita. Não é um vômito de raiva ou de querer jogar tudo pra fora, é de nervoso com o ressurgimento de outrém. O amor num é puro, é obsceno. O sexo é puro. São apenas duas pessoas nuas, são só corpos e corpo todo mundo tem. O amor é o peido que você solta na sexta ou no domingo. Quando a gente gosta e se relaciona com outrém, não somos nosso corpo nu, mas sim nossos corpos ao avesso.
Tô mesmo pensando em trocar essa cadeira de lugar, talvez verde, talvez corta um pouco as pernas dela. Num dá pra contar a vida, porque ela muda o tempo todo. Num posso segurar o presente, então ele se vai. As pessoas se vão e nós tambem vamos. Mas as vezes dá pra pintar de verde, trocar de lugar, ou apenas começar uma segunda feira, sabendo que logo vira uma sexta, um domingo e por ai vai.
Eu vou deixar essa cadeira ai do jeito que tá, porque eu quero ela mesmo é pra sentar. Embora ela possa servir para outras coisas. A gente tem a estranha mania de acreditar que cada amor é único, até que a gente vive vários amores únicos. Mas a cadeira é pra sentar, enquanto eu a quero pra sentar e acho que é isso que me incomoda no amor, eu quero sentar agora e não depois. Ai eu sento e de repente quero ir embora, quero pinta-la de verde e sair na sexta ou o dia vira domingo pra mim e essa cadeira me traz uma nostalgia imensa. Ai eu vejo que nem gosto dela tanto assim, mas gosto da sua nostalgia, do fato dela estar ali por tanto tempo. Talvez eu num devia ficar com uma cadeira por tanto tempo, vou me apegar a ela. Mas vou ir olhando uma cadeira que quero ficar até ficar velha. Hoje é domingo, amanhã é segunda e daqui a pouco é terça de novo, mas eu num vou me esquecer das sextas feiras. Vem cá cadeira senta aqui comigo. Sabe que olhando assim pro calendário parado na quarta feira, sim sou uma quarta feira, num sei se mais pro domingo ou pra sexta e quer saber vou dormir sentada em vc essa noite. boa noite cadeira.

pausa

Ele estava sentado num canto da Praça, todas as outras pessoas se expremiam nos bancos opostos. Sento-me bem perto dele, mas acho que ele nem reparou a minha presença. Com um saco preto que parecia conter latinhas e outros objetos ele tira um pente do bolso e começa a pentear os cabelos incrivelmente lisos, contrastando com a pele morena de sol. A barba um pouco esbranqueçada pelo tempo, o olhar triste e cansado. Mais cansado do que triste. O corpo se esquivava em direção ao chão, as mãos inquietas e o olhar desconsolado. Desconsolada também fiquei, engraçado como a gente sai andando com pressa e de repente a vida te faz uma pausa, foi isso que senti quando o vi. Ele estava sentado, calmo, cansado, enquanto eu corria e corria pra que? e por que? Desconsolada fiquei eu, nem sabia quem era aquele homem. Enquanto me perguntava, ele ascendia um cigarro e agora aquela cena me parecia mais desconsoladora ainda. Eu queria ir lá falar com ele, queria perguntar quem ele era, de onde venho e porque estava ali, mas não consegui, apenas segui meu caminho. Me levantei, caminhei e o semáforo me faz parar, não tirei os olhos dele, ele não olhava para nada, além do chão, de repente se levantou e seguiu seu caminho, entre as lixeiras da cidade. Nos meus olhos uma pequena lágrima escorre. Aquele homem, sem nome, endereço ou profissão, era uma pausa em minhavida. Ele era isso, uma pausa em minha vida.

nuvem de criança

A gente brincava, por um vaaaaasto parque, o dia estava bastante bonito, as arvores pareciam mais verdes, estavam lá alguns amigos, e todos estavamos mais felizes que nunca, a vida tinha nos abençoado com um bom dia, tinha nos dado aquele som que tanto sonhavamos, dentro dos nossos quartos enquando chovia feeeeeito louco, apesar de ser verão. É como a juventude que não sabia o que fazer desse estado de se ter pouca idade.
Sorriamos, e corriamos pelo gramado, até cansar. Sabe quando corremos tanto que nossas pernas se esgotam e agente acaba caindo e dando gargalhadas sem saber por que? Pois é era assim que estavamos, era como se a cada corrida tivessemos vivendo mais forte, mais intenso, e sabe, a brisa se torma maior, e as imagens ficam engraçadas quando corremos, algumas coisas ficam mais rapidas, outras mais lentas, é ter o privilégio de correr sorrindo.
Ao longe, uma menininha corria, e ao contrário de nós, ela nem olhava para a frente, observando as pessoas e arvores, ela olhava para cima, vendo as nuvens de diversas formas e cores (tá, as cores eu não sei de onde tirei caro leitor, mas é melhor pensar em várias cores, imagine um céu assim).
Eu corria buscando uma nuvem mais bela, com um formato de coelinho sabe, até que encontrei, e percebi que o vento estava levando ele embora, coelho arisco, nem deixava eu olhar para ele, ele comecou a sair correndo, parece aqueles coelhos que agente vê em festa junina, que se esconde em casinhas, atras de comida. Coelho bobo. E eu comecei a correr atrás dele, para ver se consegui acompanhá-lo, nem que seja de vista. Então ele começou a se desmanchar, e quando percebi perdi a orientação de tudo.
Quando vi, a menininha tropeçou em uma pedra e caiu, um tombo engraçadíssimo (peço desculpas ao leitor, mas quem nunca riu de um tombo), ainda assim, fiquei preocupado e corri para ver se ela estava bem.
- Você está bem?
E a menina chorava, chorava, chorava.
- O que houve?
- Eu perdi minha referência, eu quebrei, eu quebrei.
- Quebrou a perna, o braço?
- Quebrei meu sonho.
- O Sonho?
E ela chorava, chorava.
Eu parei e pensei um pouco.
- É eu sei, é verdade, quebrar o sonho é dolorido, as vezes parece que quebrar o sonho é mais dolorido que a perna.
- Sim, é pior que não andar, pois quando se sabe para onde ir, pode se pedir para alguem levar, agora se não se sabe, nem 4 pernas ajudam.
Eu fiz uma cara melancôlica, e sorri.
Por que ele está sorrindo? Eu estou com dor aqui, e nem sei como tratar, nem dipirona vai ajudar (pois é gente, tem alguns que tentam curar até dor de amor com dipirona, AAS, entre outras drogas por aí, mas ela sabia que não). Esse garoto não para de sorrir, que bobo.
- Qual é o teu problema heim?
E ele olhava para cima, para um céu azul, azulzinho. E agora como um doente, estendia a mão e as nuvens iam se desmanchando com o seu dedo, e dando novas formas, mas isso só para ele (ele tinha probleminhas).
- Olhe só. Veja comigo, aquela nuvem está redonda, e não se parece com nada, mas olhe o meu dedo e imagine que ele é capaz de movimentar a nuvem, olha só. Agora tem um cachorrinho.
E ela enxugou as lágrimas.
- Olha agora, tem um patinho ali, olha o bico, o rabinho, olha, um pardal, um elefante.
E ele ia desenhando um monte de bichinhos. E falava.
- Quack, Quack, Muuuuu, Muuuuuu, Hoinc, Hoinc.
E imitava o zoologico inteiro.
E ela sorria, ria.
Quando vê, ele pegou e esfregou tudo com a palma da mão.
- HEEEEEYYYYY, Por que você fez isso?
- É só um céu.
E ela emburrou.
- Sim, é só um céu, as formas nascem, se modificam, as vezes só agente as vê. E o vento leva, agente apaga. Mas saiba, o vento pode levar, e não parecer mais bichinho nenhum.
E ela continuou emburada. Ele pegou a mão dela, e ela tirou.
- Me deixe pegar a tua mão. (e ela deixou), agora deixe ela espalmada. Tá vendo o coelinho, vamo apagar ele.
- Ele era tão bonito.
- Mas o vento já o levou.
- Tá bom. - Com um jeitinho sicinto de menina.
E ela apagou.
- Agora me dá o indicador.
E eles fizeram um novo bichinho.
Quando vê o vento levou, e ela começou a soluçar.
- Calma, calma, faz de novo. ... melhor apaga, e faz outro.
E ela começou a se divertir com a brincadeira.
E ficaram até de noite, brincando de desenhar nuvens, e colorindo lembre-se, as nuvens tem cores heim.
E quando chegou a noite, ela quis ir embora.
- Agora tudo acabou =(.
Ele ficou em silêncio, ela se levantou, e quando foi querer ir embora.
- Não não, olhe para cima, agora tem estrelas.

Esse texto é um presente do meu amigo Marcos Medeiros que mesmo longe consegue me fazer sentir seu abraço com as palavras. Obrigada.
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