pausa
nuvem de criança
Sorriamos, e corriamos pelo gramado, até cansar. Sabe quando corremos tanto que nossas pernas se esgotam e agente acaba caindo e dando gargalhadas sem saber por que? Pois é era assim que estavamos, era como se a cada corrida tivessemos vivendo mais forte, mais intenso, e sabe, a brisa se torma maior, e as imagens ficam engraçadas quando corremos, algumas coisas ficam mais rapidas, outras mais lentas, é ter o privilégio de correr sorrindo.
Ao longe, uma menininha corria, e ao contrário de nós, ela nem olhava para a frente, observando as pessoas e arvores, ela olhava para cima, vendo as nuvens de diversas formas e cores (tá, as cores eu não sei de onde tirei caro leitor, mas é melhor pensar em várias cores, imagine um céu assim).
Eu corria buscando uma nuvem mais bela, com um formato de coelinho sabe, até que encontrei, e percebi que o vento estava levando ele embora, coelho arisco, nem deixava eu olhar para ele, ele comecou a sair correndo, parece aqueles coelhos que agente vê em festa junina, que se esconde em casinhas, atras de comida. Coelho bobo. E eu comecei a correr atrás dele, para ver se consegui acompanhá-lo, nem que seja de vista. Então ele começou a se desmanchar, e quando percebi perdi a orientação de tudo.
Quando vi, a menininha tropeçou em uma pedra e caiu, um tombo engraçadíssimo (peço desculpas ao leitor, mas quem nunca riu de um tombo), ainda assim, fiquei preocupado e corri para ver se ela estava bem.
- Você está bem?
E a menina chorava, chorava, chorava.
- O que houve?
- Eu perdi minha referência, eu quebrei, eu quebrei.
- Quebrou a perna, o braço?
- Quebrei meu sonho.
- O Sonho?
E ela chorava, chorava.
Eu parei e pensei um pouco.
- É eu sei, é verdade, quebrar o sonho é dolorido, as vezes parece que quebrar o sonho é mais dolorido que a perna.
- Sim, é pior que não andar, pois quando se sabe para onde ir, pode se pedir para alguem levar, agora se não se sabe, nem 4 pernas ajudam.
Eu fiz uma cara melancôlica, e sorri.
Por que ele está sorrindo? Eu estou com dor aqui, e nem sei como tratar, nem dipirona vai ajudar (pois é gente, tem alguns que tentam curar até dor de amor com dipirona, AAS, entre outras drogas por aí, mas ela sabia que não). Esse garoto não para de sorrir, que bobo.
- Qual é o teu problema heim?
E ele olhava para cima, para um céu azul, azulzinho. E agora como um doente, estendia a mão e as nuvens iam se desmanchando com o seu dedo, e dando novas formas, mas isso só para ele (ele tinha probleminhas).
- Olhe só. Veja comigo, aquela nuvem está redonda, e não se parece com nada, mas olhe o meu dedo e imagine que ele é capaz de movimentar a nuvem, olha só. Agora tem um cachorrinho.
E ela enxugou as lágrimas.
- Olha agora, tem um patinho ali, olha o bico, o rabinho, olha, um pardal, um elefante.
E ele ia desenhando um monte de bichinhos. E falava.
- Quack, Quack, Muuuuu, Muuuuuu, Hoinc, Hoinc.
E imitava o zoologico inteiro.
E ela sorria, ria.
Quando vê, ele pegou e esfregou tudo com a palma da mão.
- HEEEEEYYYYY, Por que você fez isso?
- É só um céu.
E ela emburrou.
- Sim, é só um céu, as formas nascem, se modificam, as vezes só agente as vê. E o vento leva, agente apaga. Mas saiba, o vento pode levar, e não parecer mais bichinho nenhum.
E ela continuou emburada. Ele pegou a mão dela, e ela tirou.
- Me deixe pegar a tua mão. (e ela deixou), agora deixe ela espalmada. Tá vendo o coelinho, vamo apagar ele.
- Ele era tão bonito.
- Mas o vento já o levou.
- Tá bom. - Com um jeitinho sicinto de menina.
E ela apagou.
- Agora me dá o indicador.
E eles fizeram um novo bichinho.
Quando vê o vento levou, e ela começou a soluçar.
- Calma, calma, faz de novo. ... melhor apaga, e faz outro.
E ela começou a se divertir com a brincadeira.
E ficaram até de noite, brincando de desenhar nuvens, e colorindo lembre-se, as nuvens tem cores heim.
E quando chegou a noite, ela quis ir embora.
- Agora tudo acabou =(.
Ele ficou em silêncio, ela se levantou, e quando foi querer ir embora.
- Não não, olhe para cima, agora tem estrelas.
Esse texto é um presente do meu amigo Marcos Medeiros que mesmo longe consegue me fazer sentir seu abraço com as palavras. Obrigada.
dança
O parto de Isabel
- Papai vamos morar em outra casa?
Naquela tarde pegamos um trem, o mesmo que Isabel partia, naquele dia deciframos o mundo que ela trazia na bagagem, mas nunca mais esperamos que ela voltasse.
O Roteiro

O Rei Arthur e a Puta
- Você está ainda mais bonita.
Dei um sorriso tímido. Eu estava usando uma blusa de um seriado, um short jeans e um colete preto. Muito diferente das saias curtinhas, botas e tomara que caia que eu costumava usar quando ele me conheceu.
A única coisa que consegui perguntar foi:
- Tá tudo bem com você?
- Que que aconteceu com a gente hein? Éramos tão felizes. (Ele me disse com um olhar triste)
Eu queria responder que a droga estragou tudo, mas a verdade é que o Arthur não é o vilão dessa história. Quando eu e Arthur nos conhecemos eu trabalhava no cabaré da Dona Odilia, foi lá que me fiz puta e aprendi tudo que sei. Um dia, amargurado com o namoro que não lhe trazia felicidade, Arthur foi até o puteiro em busca de distração. Dona Odilia me apresentou para ele e acabei não fazendo o programa naquela noite. Conversamos a noite toda e quando ele quis pagar não aceitei. Arthur voltou muitas noites no Cabaré. Entre os homens que iam e vinham ele foi o único por quem eu senti vontade de passar a noite e não fazia pelo dinheiro.
Arthur me fez aprender a coisa mais esquisita da vida, é possível amar alguém e ser amado, mas mesmo assim não ser feliz. Eu estava enlouquecida com ele e ele comigo. Quase todas as noites ele ia ao Cabaré, riamos muito e a companhia dele era a melhor coisa que eu tinha. Passavamos a noite conversando e o tempo voava, um dia brinquei que ele era o Rei Arthur e eu apenas uma puta.
No mês de janeiro, Arthur começou a não ir todas as noites me visitar e eu fui ficando cansada daquilo. Um dia, de supetão, disse a ele que nunca mais queria vê-lo. Não era verdade, mas eu achei conveniente. Ele foi embora meio triste. Eu ainda não sei porque tomei aquela atitude, mas também nunca soube porque ele parou de me visitar.
Em três anos Arthur usou todo tipo de drogas possíveis, se tornou também um lixo que a sociedade queria se livrar. Assim como eu na minha condição de puta. Eu conheci vários amores, mas nenhum foi como ele e com ele aconteceu a mesma coisa. Engraçado como o mundo muda em 3 anos. Eu resolvi largar o Cabaré, escrevi um livro "O Rei Arthur e a Puta". Passei um ano me dedicando a ele e o lancei ontem, foi um sucesso. Se você tava se perguntando porque eu vim visitar o Arthur, tá ai a resposta. Vim lhe entregar o livro que diz o quanto ele me fez bem e o quanto me fez mal.
- Vim lhe trazer isso
- "O Rei e a Puta"? (Ele riu)
- Pois é, escrevi.
Passamos o resto da tarde rindo da situação.Arthur foi o grande amor da minha vida. Eu queria que ele ficasse com o livro de recordação. No inicio da noite fui embora.
- Adeus Arthur
- Adeus... (o meu nome não importa, agora podem escolher me chamar de puta ou de escritora, tanto faz.)
abrigo

debruçada nas paisagens que iam embora
eu observava as pessoas ao meu redor
o cara com o radinho
a moça fazendo sombracelha
o senhor com chapéu e bengala
naquele trem, eu era só mais uma
parecia que alguém havia desligado o meu radinho
aquele que tocava as sirenas, buzinas e xingamentos do trânsito
ali a minha sombracelha dava um semblante tranquilo a minha face
quanto a colocar algo na cabeça, a perseguição cognitiva diária
e a bengala que fazia eu me preocupar com os caminhos que eu ia trilhar
nem estavam lá
aliás a única trilha que eu queria naquele momento era o barulho do trem
aquelas paradas nas estações,
parecia-me por alguns instantes que aquela solidão compartilhada fazia sentido
e aquele silêncio que tanto me dizia
aos poucos meu coração ia adormecendo
há dias ele vivia de insônia
agora ele se debruçou na janela do trem
deitou-se sereno, tranquilo
um rapaz pergunta se pode se sentar ao meu lado
eu nunca tinha visto ele
mas ele tinha os olhos mais brilhantes que eu já vi
como se estivesse deslumbrado com a viagem
acho que foi assim a primeira vez que viajei, mas havia me esquecido
quando cheguei sozinha na estação tomei um café
sentada naqueles banquinhos vermelhos eu me sentia num filme
o sereno, o vento, a chuva
e meu coração calmo, quase dormindo
há tempos eu não parava na estação pra tomar um café
Fui embora com a certeza de que eu precisava parar em algum ponto
que eu precisava de um abrigo
uma casinha tranquila, silenciosa
um repouso cá dentro para entender todo o barulho do lado de fora
cônjuge

as silhuetas se confundem a cada aproximação
recoste tua a alma a minha, ela pedia
perdida nos vários fragmentos de si
urgente era o abraço
aquele abraço que não vinha
o caminho era longo
queria mesmo era chegar a lugar nenhum
a noite era minima
repleta de desejos ocultos
esses sorrisos fazem morada em mim
mas vê-los agora está além de minhas pupilas
eu queria era perde-me em seus cabelos
queria perder-me em todos meus anseios
comer-te até o fundo
ver o corpo e o coração desnudos
sugar o sangue
só pra encontrar a alma
o tal abraço urgente
entre um vagão e outro há sempre um espaço pra fumantes
entre um cigarro e outro eu fico a me perguntar:
todo preterito é imperfeito?
queria mesmo era conjugar o tempo
ou quem sabe cônjugar o tempo
se é que isso é possivel.
foto de Christoffer R.
o cais
enquanto eu continuo sentada solitária no cais
um enorme eco assola meu coração
noutra noite a dor não coube em mim
saltou pelos meus olhos e as minhas lágrimas fizeram-se mar
o que me aflinge é não poder ter balançado o lenço do adeus
outrora as distâncias me pareciam curtas
eu quase podia sentir a lua
naquelas noites o tempo não tinha hora pra acabar
o sol subia ao céu como as letras de FIM nos filmes
os sorrisos pairavam em meus lábios como as gaivotas no mar
noutra noite a lua me falava sobre as travessuras
enquanto eu recostava meus pensamentos sobre meu velho companheiro
aquele travesseiro que esteve comigo em todas as travessias
deito-me ao relento de minhas lembranças
o cais é um pouco frio, querido
não há como cobrir a alma
o silêncio me incomoda
a loucura deita-se comigo
é, ela nunca me abandona
encontro companhia naquela menina refletida na água
e adormeço, ainda inquieta
é que o silêncio me aflinge
amanhã o barulho dos barcos vão me acordar
e eu vou escrever um samba
porque num há melhor maneira de falar de tristeza de um jeito alegre
e lá vou eu chorar pelos barcos que se vão
a morte de Maria
Quando eu soltei a mão de Maria, foi como se tivessem me arrancado o dente da frente. Naquela noite, já com os joelhos feridos, as pernas doendo, problemas na coluna e magro eu terminava minha saga de dois meses ao lado dela em coma. Aquele silêncio me fazia tanto mal que, quando comia, eu jogava pra fora toda sujeira que tinha preenchido aquele vazio. As vezes acho que Maria ficou doente pra me castigar por eu não saber ficar em silêncio ao lado de outrém. Quando ela se foi, eu nem encontrei lágrimas para chorar, não é que eu não tenha ficado triste é que eu já estava um pouco cansado de segurar a sua mão, pareceu o fim de um tormento para mim e para ela. Chegando em casa eu achei o nosso livro de fotografias, não fui ao velorio ou enterro, fiquei sentado de frente para nossas fotos, reparei que o semblante de Maria nas fotos era muito diferente daquele do quarto do hospital. Quando abri a porta do guarda - roupa em meu quarto , que até me parecia um lugar estranho, eu me assustei com o cara que vi no espelho, ele tinha barba, cabelos grandes e parecia bem mais velho. Na certa eu não era o mesmo sem minha doce Maria. Hoje fazem dois anos que Maria morreu, eu não sou bom com datas, mas me lembrei porque no dia da sua morte eu tentei escrever uma carta e levar para sua lápide, acontece que só saiu a data. Eu achei essa carta no meu paletó velho que ela tanto gostava. Desde que Maria se foi eu nunca mais o usei. Quando achei a carta, fui levar para ela, sim eu fui até o cemitério honestamente acho que ela ia gostar daquela carta silênciosa, não consegui encontrar a sua lápide. Quando o coveiro veio me ajudar, senti que seu túmulo me parecia mais um jardim, eu nunca fui levar flores para ela. Achei a cena tão bonita que percebi que não era mais necessário deixar a carta. Quando nos conhecemos eu prometi para ela que seguraria a sua mão para sempre. Hoje olhando assim de longe, acho essa promessa tão descabida. Onde já se viu prometer isso? Afinal de contas um dia, um de nós dois morreriamos, o que eu pensei? Prometi que não faria promessas novamente.
Pai
- Pai, como é ter 73 anos?
- É já ter vivido muita coisa, minha filha.
Deitada em sua barriga sinto ele esvaziar os anos.
- Pai, se lembra quando eu era criança e ficava acordada até de madrugada lhe esperando?
- E eu sempre lhe trazia um chocolate.
Naquele momento, pensei que ele ainda me traz um chocolate as vezes. Talvez eu é que tenha esquecido dos tempos em que eu o esperava madrugada a dentro.
- Eu sinto saudades de ser criança pai, sinto falta de jogar video game até tarde e de não ter responsabilidades.
- A minha filha a vida é dificil só no começo, depois você se acostuma.
Eu quis pedir pra que ele fosse pro quarto e contasse uma história pra eu dormir. Um desses contos de fadas que eu acreditava quando a vida num era dura.
- Pai você se lembra quando eu sentia frio a noite e você ia lá me cobrir. Se lembra de você na beira da cama me contanto historias. Se lembra que você pedia pra mãe não me bater. Se lembra que eu te pedia para alugar "Alladim" todo fim de semana, até que você me deu o filme.
Sinto os braços dele cairem e um leve ronco.
- É pai essa noite sou eu que vou te cobrir.
Boa noite, dou-lhe um beijo na testa.
Vou sozinha para meu quarto. Na cabeceira, Mario Quintana me acompanha e logo reconheço: É por isso que inventaram os livros, porque os pais envelhecem. Foi pra isso que inventaram os livros, pra isso. Como eu nunca havia percebido. Como?
Cordão umbilical
Fiquei trépida.
- Filha não tem como você voltar para meu útero.
Então ela se encolheu no canto da sala em posição fetal.
O frio cerrava os meus dentes e paralasiva minhas articulações.
- Vem mamãe deite comigo.
Um sangue começa a jorrar de seu corpo e me aquecer.
- Mãe, quando eu morrer deite - me na chuva embaixo daquele escorregador do parque que eu tanto gosto.
Palidamente ela foi se tornando apenas um traçado.
- Mãe, nunca me diga adeus, nunca.
Ela se desfez entre meus braços.
- Você nunca vai partir filha.
Naquele instante, sua morte se tornou o cordão umbilical que nos liga.
século 21
- Preciso te confessar uma coisa.
Agora sim parecia que eu não ia aguentar.
Então ele soluçou:
- Sou gay.
lágrima no bolso
a gente aqui dentro é que mudou
a garoa lá fora tem a mesma finura
a mesma finura das nossas lágrimas
nossos corpos nús jogados no chão
vesti tuas roupas
bata a porta
não se despeça
eu odeio despedidas
guardei uma lágrima no teu bolso
vai se lembrar de mim quando o sol nascer
ah meu amor, eu prefiro a noite
eu prefiro a garoa fininha dos teus lábios
as gotas de chuva cairam, querido
nós também caimos
caimos nús na sala, entrelaçados
como as gotas de chuva unidas pela correnteza
quando o sol iluminar nossas nuances
você vai se perguntar se foi coragem
você vai se perguntar se foi covardia
eu vou continuar nua na sala
pensando que não foi coragem
não foi covardia
foram só dois corpos felizes por se entrelaçarem
e a minha lágrima no seu bolso
vai dizer que eu sinto saudade
e a minha lágrima no teu bolso
vai inundar que eu sempre sinto saudade
acima das nuvens

silêncio
o silêncio reina absoluto.
ele chega, abre a porta devagar. entra. senta ao lado dela.
o silêncio reina absoluto.
só me restou o travesti
19 de agosto

relento
adormeci ao relento
o vento baila pelo meu corpo
como a bailarina que flutua no palco
os barcos somem no horizonte
e os fiapos de dente de leão
sendo levados pelo vento
o sol vem nascendo, de longe
o calor envolve minha alma
amanheço
com o mesmo sorriso de outrora
aquela mesma esperança tola
de ser feliz todos os dias
o quão foi em vão ter chorado
o quão foi em vão ter medido
tomo o velho chá das cinco
aquele que eu nem precisei adoçar
a árvore joga tuas folhas sobre minha poesia
agradeço a sombra
volto a beira do cais
enquanto o sol troca de lugar com a lua
agora só escuto Tom Zé me chamando de menina
há dias que parecem as histórias que meu pai me contava na infância
agora estou sozinha
mas esse silêncio é paz
adormeço
céu turvo
esquecida nos abraços de outréns
vestigios de delicados pedaços de mim
sendo levados pelo vento das horas
já nem sei mais de mim
talvez me falte ardor
que eu só sei sentir, simplesmente
o sol me acorda pela janela
o sopro do dente de leão é meu acalanto
meus pés descalços caminham errôneos
que eu só sei sentir, simplesmente
abandonada no ventre da vida
as palavras presas nas cartas que eu nunca escrevi
quando mais perto chegas
mais sozinha me sinto
mordo o amargo fruto do passado
o vento esparramou meus desafetos
e lá fui eu, embora
auto conhecimento
revirando-me pelo avesso
estraçalhada entre o chão e a terra
meu coração ainda pulsa
os pulmões morrem aspirando o que eu nunca quis
minutos antes eu queria um cigarro
era pra queimar o resto de minha pleura
aquela parte mais sensível do meu corpo
minhas viceras disputavam um tênue espaço com meu coração
no canto, meus olhos se assustam por não conhecer aquelas partes de mim
minha garganta ficou sem nada pra dizer
destrui-me por não saber o que a anatomia faria de mim
morri ali, na rua rua do presente, quase esquina com o futuro
ah! como foi doce o chá que tomei no bar do passado
anjo da guarda
por que tu me deixastes tão só?
ah meu anjinho como crescestes
tu já nem me parece mais o mesmo
passei mals bocados sem ti
vivi como um cão de rua, abandonada
e agora que me acostumei com essa solidão
que faço meu anjinho? que faço?
trouxestes o almanaque que me explica?
abre na página que decifra as minhas entranhas
coloca um marcador de texto nas minhas fugas solitárias
que eu já nem sei de mim
cadê aquelas minhas fotos em preto e branco?
tu não trouxestes nada né?!
mas o que importa é sua vinda
agora vai meu anjinho da guarda
vai que eu me acostumei a ser forte sem ti
me olha de longe e quando veres um brilho do céu
venha secar minhas lagrimas
ah meu anjinho! ah!
vermelho
me pondo me pondo
sou o céu vermelho
que o balanço das águas da lagoa refletem
como o meu coração
que dança dentro do meu corpo
as pessoas na beira da lagoa
refletem os olhos dos peixes que já morreram
a noite inexisto
como a casa na beira da lagoa
a casa sem cômodos
agora nada em mim é cômodo
volta e meia surge uma estrela no céu
e faz brilhar os olhos sofridos da menina na beira da lagoa
a menina que carrega dentro de si um feto
a menina que é um feto
sou agora o nascer do sol
nascendo nascendo
todos os dias
delirio vital
arde em paixões febris
inspira sentimentos
traga dor
sopra zelo
embebeda-se de prazer
sorve-se em medo
como queres calma
se teu chão é o céu?
como queres certezas
se vives de sonhos?
como queres estabilidade
se o mundo gira?
a realidade é meu sono
acordo refugiada
no fundo só tenho a ti
só tenho a ti, espelho
as silhuetas namoram
eu sou amante da vida
vou entre os arbustos
colho flores
procuro-te
felicidade aonde estás?
felicidade aonde estás?
felicidade aonde estás?
escuto o eco pelo mundo
Meu coração se espalhou pelo meu sangue e ocupou todo meu corpo, como um andarilho que carrega na mochila todas as culturas do mundo.
sala de espelhos
Espelhos refletem o vazio da minha insônia solitária.
Era o entrelaço de nossas ternuras que eu procurava naquela nudez.
Os livros não escrevem a chuva ácida da mulher que chora naquela poltrona escura.
O quadro nem chega perto de pintar o velho cheio de dentes na boca.
A luz corta a minha carne e corroe os meus ossos.
Os arbustos inspiram minhas viceras mortas.
Eu encontro o passado cheio de roupas.
Meus ombros negam-se a usar vestimentas.
Os meus olhos traduzem o assasinato de minha dor.
Meus braços setenciam o fim do meu calor.
Arranco o espelho e me torno parte dele.
Qualquer aproximação reflete o que me trouxeres.
Não me espere para o jantar.
Tem 14 passos querendo sair de dentro de mim.
Enquanto os pássaros procuram a janela dos meus pulmões,
minhas traqueias gritam o recomeço.
meu primeiro amor.
memorial
Espero que você não enjooe de acordar ao meu lado.
Que se lembre de me dar um abraço ao chegar cansado do trabalho, mesmo tendo acordado comigo.
Por vezes esquecido, quero que me conte das noites em que me deixastes sozinha para se aquecer nos braços de outrém, porque por algum motivo você se sentiu sozinho e vazio.
Quero ver alegria e me sentir bem por estar com você como nos velhos tempos.
Quero sentir que os ponteiros dos relógios estão girando rapido demais uando eu estiver ao seu lado, como na primeira vez em que nos vimos.
Espero que você se lembre de me cobrir com o edredon nas noites frias, quando eu me descobrir de tanto me mexer.
Quando minha pele já não for mais a mesma, eu ainda vou esperar suas que suas mãos contem nossos anos juntos nas minhas rugas.
Quando eu estiver caducando na velha cadeira de balanço, lembre-se de me aceitar, afinal eu sempre fui meio caduca mesmo.
Na minha morte, não chore, lembre-se que o fim de alguma coisa é o recomeço de outra, que geralmente é muito melhor.
Agora vamos embora, porque o tempo não espera a gente e a vida é muito curta pra ficarmos esperando todos os semaforos fecharem, feito japonês.
Vamos continuar com os velhos drinks, ainda somos jovens e podemos morrer jovens.
Então viva cada dia como se fossemos envelhecer rápido demais.
Manual da madrugada
Um dos homens atropelou uma das putas e arrancou o carro. As outras correram para ajuda-la. No chão ela estava um pouco ensanguantada, o cigarro voou longe e ainda acesso queimava no asfalto. A puta se levantou meio cambaliando e começou a gritar que não aguentava mais aqueles canalhas e aquela merda de vida. As vezes quando eu me machuco eu também sinto vontade de levantar e gritar as mesmas coisas que a puta, mas eu me limito a admirar a coragem dela. Achei que a puta fosse embora para um hospital, mas um homem lhe deu um pouco de água para lavar o machucado e ela saiu no carro dele. Tudo é muito efêmero com as putas.
Uma delas contou que o homem que atropoleu a amiga é apaixonado por ela e quer tira-la "dessa vida". O amor é mesmo uma coisa estranha, ninguém quer se apaixonar por uma puta e nem as putas querem se apaixonar por seus clientes, mas não há escolhas. O amor é o sentimento mais sincero que existe, porque somos impulsivos e bobos. Atropelamos as pessoas para o bem delas e queremos cuidar tanto que só pensamos em tira-las de suas vidas e trazê-las para as nossas. Principalmente quando elas vêem de um submundo, não um submundo externo, mas um que existe dentro delas. A madrugada esconde a sujeira da claridade, ela tem partes de um sub mundo.
Na verdade tudo na madrugada é um submundo, e como não existe um manual você só precisa saber que estar sozinho é a melhor maneira de estar seguro. Volta e meia passava um bebado, cambaliando a madrugada. A madrugada é por si só meio tonta e também meio solitária. Ela estava entediada de observar as putas. Queria uma cerveja e também queria queimar todo o maço de solidão que ainda tinha.
Tirou uma folha em branco e a folha exigiu uma explicação. Não conseguiu escrever absolutamente nada. Queria saber desenhar, ao menos faria uma caricatura e resolvia o problema. Tirou o livro de poesias, leu, tentava se inspirar, mas nada conseguiu. As horas iam passando, o silêncio era constante. Deu seu último trago solitário e pegou o ônibus as pressas.
Sentou-se num dos bancos e suspirou. A folha branca sentou ao seu lado cobrando uma explicação. Ela nada pode dizer, então a folha logo lhe avisou que a madrugadam estava dentro dela, era interna. A folha branca era a vida, esperando ser preenchida
Crossdreams
volta e meia bate um ventinho cá dentro
mas há sempre como esquentar
mesmo que o sol não venha
e há dias em que o céu fica tão bonito
coisa das cores lembrarem Almodovar
é um azul meio roxo, um rosa vermelho
e as nuvens permanecem sem rumo
dançando
vão se formando, passando se desfazendo
quase como a vida, quase como a gente
há sempre um banco branco dentro da gente
daqueles antigos que causam uma certa nostalgia
há sempre um velhinho com boas histórias
e uns meninos jogando bola
a luz do sol ilumina a confusão diária
quando anoitece a brisa sopra dentro do meu coração
e me faz deitar no silêcio dos bancos brancos
aquele cheiro de flores
adormeço inocentemente
noutro dia o sol me acorda
vou embora
mas deixo os meus sonhos no banco
noutra noite, alguém há de sonha-los
ah, como eu gosto da noite.
a menina que não tinha sombra
numa manhã um médico diferente chegou no manicômio e levou todos para tomarem sol no parque, no susto, um dos loucos gritou: " - ei, menina sem sombra eu tô vendo sua sombra." a menina assustada virou-se e pela primeira vez viu sua sombra. no dia seguinte ela se matou e deixou um bilhete escrito: "- como é que alguém pode ter sombra? como?" O louco que gritou que a menina tinha sombra, era zé do preto, ele sempre via uma mancha preta em todos os lugares. pobre menina da sombra, morreu sem saber que num tinha mesmo a tal sombra.
Ah, Deus!

a lágrima escorreu lentamente
pairou em meus lábios
eu sentia agora o gosto amargo da mentira
as lágrimas embassavam os olhos
e fazia o coração não acreditar no que via
sentia-me nua
o corpo soluçou de frio
haviam me comido por dentro
fixei os olhos na faca que entrava em meu peito
talvez o sangue me esquentasse
alguns abraços amigos me aqueceram o coração
mas onde foi que eu deixei o meu coração?
acho que o perdi
tal como o pote de açucar
que agora me parece ter se tornado sal
só por essa noite
só por esses dias
eu não serei uma puta com meu coração
vou deixa-lo solitário
deixa-lo se aquecer com os carinhos amigos
denovo estou na chuva e sem sombrinha
acho que já perdi as contas de quantas vezes isso aconteceu
só não vou me deixar ser levada pela correnteza da tristeza
porque o trem da vida passa as 11h30 e eu num quero perdê-lo
espero as mãos que vão se estender e me ajudar a subir nele
vou chorando, rindo, cantando e dormindo
num vagão distante de tudo todas as magoas e decepções
uma hora será hora de subir no trem e eu só terei uma palavra a dizer:
Adeus!
Ah, Deus!
deliciosamente simples
As coisas mais bonitas da vida nascem da simplicidade
Numa busca diária e lenta pela doçura tênue, quase esquecida
Nos mindinhos que se tocam quase com vergonha
se procurando no escuro da noite
Nos olhares deliciosamente perdidos um no outro
quase como uma poesia recitada em meio a Praça Sete
e o menino solitário que a escuta
são as palavras que o coração se recusa a dizer, em palavras
Sentimentos permeados de ternura
Carregados de uma simplicidade quase infantil
Os braços abraçam em proteção
Antes de qualquer beijo a lembrança da amizade
Antes de qualquer relogio a certeza de que os ponteiros giram depressa demais
para os corações que pulsam um de encontro ao outro.
momento
doce encantamento
é só o que sinto
viver é sucinto
como um verso de bolero
uns passos incertos
nas noites de boemia
das velhas poesias
e o que guardo agora
é o sentir bem de outrora
memorial
Espero que você não enjooe de acordar ao meu lado.
Que se lembre de me dar um abraço ao chegar cansado do trabalho, mesmo tendo acordado comigo.
Por vezes esquecido, quero que me conte das noites em que me deixastes sozinha para se aquecer nos braços de outrém, porque por algum motivo você se sentiu sozinho e vazio.
Quero ver alegria e me sentir bem por estar com você como nos velhos tempos.
Quero sentir que os ponteiros dos relógios estão girando rapido demais uando eu estiver ao seu lado, como na primeira vez em que nos vimos.
Espero que você se lembre de me cobrir com o edredon nas noites frias, quando eu me descobrir de tanto me mexer.
Quando minha pele já não for mais a mesma, eu ainda vou esperar suas que suas mãos contem nossos anos juntos nas minhas rugas.
Quando eu estiver caducando na velha cadeira de balanço, lembre-se de me aceitar, afinal eu sempre fui meio caduca mesmo.
Na minha morte, não chore, lembre-se que o fim de alguma coisa é o recomeço de outra, que geralmente é muito melhor.
Agora vamos embora, porque o tempo não espera a gente e a vida é muito curta pra ficarmos esperando todos os semaforos fecharem, feito japonês.
Vamos continuar com os velhos drinks, ainda somos jovens e podemos morrer jovens.
Então viva cada dia como se fossemos envelhecer rápido demais.
simples
Entre
A Surpresa de ser

A Surpresa de Ser
A florzinha
Crescendo
Subia
Subia
Direito
Pro céu
Como na história de Joãozinho e o Pé de Feijão.
Joãozinho era eu
Na relva estendido
Atento ao mistério das formigas que trabalhavam tanto...
E as nuvens, no alto, pasmadas, olhavam...
E as torres, imóveis de espanto, entre vôos ariscos
Olhavam, olhavam...
E a água do arroio arregalava bolhas atônitas
Em torno de cada pedra que encontrava...
Porque todas as coisas que estavam dentro do balão
Azul daquela hora
Eram curiosas e ingênuas como a flor qua nascia
E cheias do tímido encantamento de se encontrarem juntas,
Olhando-se
As vezes a amizade é tanta que as palavras ficam gastas, só um poema pra tentar traduzir tantos sentimentos. Mas de verdade pequeno João, vc foi um ser surpresa na minha vida. Um grande amigo, que mesmo nos furacões da vida, eu sei que estamos juntos. Nossa amizade é como um porto seguro. Espero comemorar muitos e muitos aniversários com você.
Parabéns e eu amo você putinho.
Acho que essa é nossa primeira foto, quase uma reliquia.
Vida Desnuda
a vida vem desnuda, meu bem
venha, vamos vesti-la com nossos sonhos
dia a dia
vamos despi-la
sob uma luz forte
ver seus tênues traços
ou quem sabe despi-la no escuro
cegados pelas paixões repentinas
esperando uma fresta de luz qualquer pairar sob teus olhos
para eu me ver refletida dentro das suas pupilas
num súbito momento de encamento
como os filmes em preto e branco
onde não haviam cores para desviar a atenção
as coisas pareciam não estar preenchidas
eram apenas traços
como os atores mudos
interpretando sentimentos
sentimentos perdidos
feito um barco de papel em alto mar
nos desfazendo
sendo levados pela maré da vida
perdidos numa imensidão azul
onde o céu e o mar se confundem
e nos assustamos por descobrir que o mundo não tem fim
navegamos as tontas
girando,
como os ponteiros do relógio
e aquela água que nos banhou não passa mais
agora só guardo comigo o doce encantamento
o barquinho sumindo no horizonte
aquele pequeno momento que me deixou as tontas
procurando um fim
mas percebi que os ponteiros te levaram
e agora é tarde demais para eu ser reprovada
Ainda
A que nasceu prematura e que foi vivendo prematuramente
Aprendeu a ter calma consigo mesma para enfrentar as situações novas
Mas se esconde atrás da sua solidão quando está com medo
A menina que ainda se apaixona em cada esquina
A que cria expectivas com qualquer grãozinho de areia
Ainda sou a menina que se encanta com o simples
A que chora quando se sente só
E se olha no espelho para conter as lágrimas
A menina que busca a alegria todos os dias
Ainda que não a encontre sempre
Aquela que tenta ter cautela com as pessoas
A que aprende todo dia a ser forte
Porque a vida não tem talvez
A menina que se esconde na sua introspecção quando está insegura
Que tem medo da novidade, mas que se joga no mundo.
Ainda sou a mesma menina com medo de altura e de escuro da infância.
Porque meu coração ainda é de menina.
Sobre se apaixonar todos os dias
As vezes é preciso saber dosar nossos sentimentos para que eles não invadam o coração alheio, uma coisa é estar triste, outra coisa e deixar essa tristeza contagiar o outro. É mais fácil abandonar o outro quando ele entristece ou se afoga em uma solidão, mas é mais bonito busca-lo, aconchega-lo em braços de companhia, afeto e carinho. Nem sempre é preciso estar perto para estar junto, mas se você está longe, faça com que o outro sinta que você está perto.
Há dias em que é preciso colocar um nariz de palhaço para arrancar um sorriso triste. Acredito que temos o direito e o dever de sermos felizes e no ápice de nossa lucidez devemos viver os momentos sem medo, ainda que com cautela, da forma mais intensa possível. Porque intensidade é sentir e sentir faz bem. Sentir a proteção nos momentos de insegurança, sentir alegria nos momentos de amor, sentir-se só. Não devemos nos deixar sós. O mundo é verdadeiramente cão e precisamos encontrar valvulas de escape para fugir dele. Devemos entender que cada momento é único e que se ficarmos teorizando, vamos perdê-lo. É mesmo preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã. A tal da intensidade. As pessoas não são o que elas fazem, mas sim o que elas fazem para gente. É sempre bom pensar no que fazemos para as pessoas então, porque é isso que importa. Acho que a felicidade está acima de tudo, é a melhor sensação que podemos ter.
Já dizia Shakespeare, "ninguém é perfeito até que você se apaixone por essa pessoa. " Talvez esse seja meu problema, sou apaixonada pelas pessoas e me apaixono todos os dias.
Dedicado a um amigo
Linha tênue
Foi quando ela acordou, deitada em sua cama , com os velhos moveis, os velhos enfeites e seu pijama. Ficou feliz por ter sido apenas um sonho, mas precisava levantar, pois já estava tarde e já tinham passadas muitas horas. Lá se foi ela.
inspirando o momento
teve medo de cair em um abismo dentro dele
as mãos trêmulas minaram segredos
respirou ofegante
queria inspirar aquele momento
tentou lhe dizer
mas a garganta engasgou com o sentimento
saiu com passos desajeitados
de quem queria ir por um caminho
mas achou conveniente ir por outro
lhe perdeu na primeira esquina
lhe encontra todas as noites
mas perde pela manhã
Toque doce
todos os sentimentos traduziam-se em um simples toque
palavras tramitavam no encontro de nossos lábios
afogados pela euforia do momento
beijei-te inocentemente
queria apenas torna-me mais intima de ti
almejei tocar-lhe da forma mais doce possível
minhas mãos trêmulas queriam pedir desculpas por estarem perdidas
meu corpo todo movimentava-se de forma abrupta
por hora respondia mais aos teus estimulos do que aos meus
sentia-me ainda mais asmática,
cada respiração ofegante me fazia roubar um segundo de tempo
parecia-me ter me perdido no tempo e no espaço
não sabia mais os limites entre os nossos corpos
entrelaçados pela paixão daquele momento
no escuro dos nossos olhos fechados,
deixamos de existir
podiamos somente nos sentir
acordei sem saber se era mais um de meus delirios
ou se haviamos nos encontrado em nossos sonhos
Sobre solidão e amor
Não estou conseguindo me lembrar de nada para o filme, só estou me martirizando por ter escolhido ser sozinha. A solidão dói como as ferragens do carro que agora perfuram o meu peito lentamente. Cada fração de segundo de tempo sozinho é uma dor. Eu decidi colocar a culpa do acidente na minha juventude. Quando a gente é jovem, a gente acredita que nada vai nos acontecer, como se fossemos super herois ou sei lá o que. Ai de repente você se vê preso entre ferragens com tudo de cabeça pra baixo e sozinho, delirando de febre. Só consigo pensar na situação em que estou agora e não sei ao certo o porquê, mas não paro de pensar no amor. Acho que o amor sempre permeou a minha vida, tanto quanto a solidão, por mais contraditório que isso pareça. No ápice do meu delirio, me lembrei do meu último encantamento. Mais um para minha lista dos casos muito dificeis. Um desses encantamentos que surgem pelo que a pessoa é pra você e pelo bem que te faz. Nem chega a ser amor ou gostar, mas é carinho e admiração. A juventude é também a época que a gente mais encontra, ou perde, amor. Somos intensos demais. Mas também somos um pouco solitários, cada um tá preocupado com seu próprio umbigo e as vezes esquecemos de olhar nos olhos dos outros. Acho que nesse acidente, atropelei a mim mesma e matei a solidão e o amor de uma vez só.
Nudez de espírito
Permaneço nua
Está escuro
Não estou só
Uma leve luz atravessa a fresta
Acaricio minhas companhias com a sombra da ponta dos meus dedos
Começa a chover
Meu corpo nu soluça de frio
Meu coração congelou
Fez todo meu sangue esfriar
Mas eu respiro, ainda que asmática
Os olhos lacrimejam mágoas
Já não reconheço ninguém
Meu anjo da guarda vem batucando
Vejo com os ouvidos
Apago a luz
Afinal não escuto com os olhos
Fria, sou agora uma sujeita a procura de um verbo
Sem o calor da luz, esfrio-me mais ainda
Procuro teu corpo para aquecer o meu
Apenas para que eu não morra
Jogue um cobertor sobre mim, amigo
Jogue um cobertor amigo sobre mim
Aqueça-me com tua honestidade
Aqueça-me com tuas verdades
As pessoas do quarto me viraram do avesso
e me comeram por dentro
como canibais
Sou só carcaça agora
Sinto-me forte
Mas estou nua de espírito.
suicidio transcedente
abdiquei de mim mesma
suicidei de frente para o espelho
embaçado pelo calor
me perdi na falta de imagem
mas quem és tu que fostes embora?
não tive tempo de te ver
na minha morte não quis ver um filme real
não me cobres ter amor agora
pois tu nunca fostes inteira
no meu último suspiro de dor
suspirei a ti
suspirei a tua ausência
jurei a ti amor eterno
prometi que viveria apenas para ti
agora estou te matando aos poucos
no calor do espelho
eu me rendo, não vivo inteiramente para ti
mas também não deixo ninguém viver por ti
e nunca deixei ninguém viver para ti
confesso que te quis apenas para mim
mas deixei que tu vivesses para os outros
agora é o fim
meu coração agoniza de aflição
o sangue escorre pelo meu corpo
me martirizo de dor
lhe peço perdão por te matar dessa forma tão dolorida
quero que saibas que fui e sou sua melhor companhia
todas as vezes que fiquei a sós contigo foi para te proteger
agora eu vou, estou seca por dentro
acabou minha última gota de sangue
meu coração deu seu útimo pulsar e adormeceu
lhe deixo sozinha
cometi um suicidio transcendente.
Paradigma do (des)encontro

Foto do site: http://troll-urbano.weblog.com.pt/arquivo/2006/03/a_m.html
Mendigo de coração

-Você arreda para lá e me deixa sentar aqui no cantinho do seu coração?
-Hummm. Não sei. Abre sua mala.
-Trago um pouco de carinho, muito apego, uma pitada de amor, um dose de lourcura, um pouco de sal, um pouco de açucar, um mucadinho de dor e bastante amizade.
- Quais as consequências de eu te deixar entrar?
- Se um dia resolver me tirar dai, vai matar um pouquinho do seu coração junto, pois eu já farei parte da circulação do seu sangue.
- Se eu te deixar entrar vou ter que entrar no seu também?
- Não necessariamente, mas talvez você já esteja aqui.
- Mas eu não lembro de ter entrado. O que eu levei nas malas?
- Ainda não sei.
- Acho não posso te deixar entrar.
- Tudo bem. Não é fácil mesmo.
- Isso se chama amizade?
- Sim.
- Isso é tão infantil.
- Por isso é verdadeiro.
- Mas crianças vivem no mundo da fantasia.
- Talvez por isso o mundo delas seja tão real.
- Para deixar você entrar eu preciso saber quem você é.
- Sou um mendigo
- Dá pra ver pelas suas roupas e pela sujeira.
- Mas você não me pediu dinheiro e nem comida.
- Sou um mendigo de coração, não sou profissional.
- Entendi
- Bom, boa sorte. Até mais.
- Obrigada. Até.
A pequena grande menina
mas também colocou uma pitada de loucura
Fez teu rosto de menina
mas lhe obrigou a ser madura
A fez loira para que se diferencia-se na multidão
mas a fez baixinha para que não a notassem tanto
Lhe deu vontades para abraçar o mundo
porém encurtou os seus braços para que ela não conseguisse
Colocou um sorriso em teus lábios
e jogou tristeza nos seus olhos
para que ela não fosse feliz demais e nem triste demais
Deu-lhe um nariz de palhaço para que conseguisse divertir os olhares tristes
mas esqueceu de lhe entregar um espelho
Ensinou-lhe conceitos
fazendo com que ela nunca entendesse as regras
Encheu-lhe de sonhos
contudo esqueceu de lhe falar sobre a realidade
Esqueceu de colocar ar em seu pulmão
mas engrandeceu teu coração
Deu-lhe ouvidos pequenos para que não ouvisse os erros do mundo
porém deu-lhe uma alma grande para acolher os errantes
Ensinou-lhe a rezar
para que conversasse com ele
Não lhe deu uma beleza exuberante
e nem uma feiura assustadora
Lhe deu inteligência
mas a fez lerda
para que não se tornasse chata
Entregou-lhe a sensibilidade
mas escondeu nela uma dose de frieza
A criou forte como um touro
e frágil como uma flor
Colocou pedras em seu caminho
mas lhe ensinou a continuar
A fez timida
mas não a ponto de não poder um dia escrever sobre si
Dois Corpos
Ainda que houvessem dois corpos ali
Corpos com movimentos perdidos
Intactos entre si
O silêncio incomodava
Não era falta do que dizer
Era excesso de palavras
Amedontrava-lhes pecar
Pecavam pelo medo
O silêncio tornava-se obsoleto
Ouvidos aflitos
Mãos euforicas
Pernas inquietas
Continuam a andar
Sentem, mentem
Lado a lado
Separados por um muro
Não de concreto
Mas concreto
O silêncio continua a incomodar
Pensa ela em um jeito de quebrar
Enquanto ele sorri
Pensa ela no que ele está a pensar
Pensa ela em embriguez
Ao menos uma vez
Embriagar-se de palavras por um minuto
Não ter nada a dizer
Dizer muito
Passam-se dois minutos
Parace-lhes ter andando muito
Parece- lhes não ter andado nada
Passam suas almas
Intactas
Terminam com uma palavra
Adeus!
Outrora
Mãe sempre diz para deixarmos as coisas onde encontramos
Mas eu tinha me esquecido
Agora vim devolver o obtido
Ou o perdido
Deixo tudo aqui e sigo por ai
Vou sem malas
Sem nada
Devolvo o violão sem cordas
Entrego-te as conversar demoradas
Devolvo meu sorriso sincero
Guardo para mais tarde os abraços singelos
Devolvo os cuidados
Alias, estes lhe deixo de presente
Porque nenhum cuidado é suficiente
Deixo aqui os cafés que não tomamos juntos
Levo todos os momentos injustos
Deixo as tardes que não sentamos no banco da praça
Escondo meu rosto sem graça
Vou a locadora devolver os filmes que não assistimos
Deixo no circo o tempo que não nos divertimos
Coloco uma luva em todas as vezes que nossos dedos não se entrelaçaram
Deixo em cima do cômodo todo o passado
Apago a melodia que eu nunca compus
Guardo os beijos para quando não houver luz
Jogo fora as preocupações em não perder
Me perco
Rasgo a carta que um dia eu escrevi
Fecho as portas que abri
Devolvo a proteção
Escondo meu coração
Vou embora
Talvez eu volte
Outrora
Talvez não